A Idolatria do Superávit Fiscal
A Idolatria do Superávit Fiscal
Arthur Pavezzi
Entre os muitos problemas comuns do nosso continente, está a obsessão religiosa que parte da classe política e da mídia possuem quanto ao superávit fiscal. Manter as contas “no positivo”, “controladas”.
E não é algo exclusivo da direita, porque o Haddad conseguiu passar um teto de gastos rígido. Inclusive, por conta desta nova amarra fiscal, os pisos constitucionais na saúde e educação muito provavelmente não serão cumpridos.
Outro ponto é a eterna repetição de que as contas públicas funcionam de forma análoga (ou até idêntica) a uma padaria ou a uma família. Só quero que alguém me mostre que padaria ou família consegue aumentar sua arrecadação na canetada, quem consegue emitir dívidas novas para pagar seus gastos extras, ou ainda bater o martelo na taxa de juros das próprias dívidas!
Recentemente, espíritos de porco (ou seria de leitão?) até escreveram artigos dizendo que vão usar da catástrofe no RS como motivo para “populismo fiscal”. É interessante o uso do termo, porque, na prática, populismo fiscal significa apenas “o Estado está gastando mais do que devia, de acordo comigo mesmo”.
Ou seja, os custos de reconstrução de um estado inteiro devastado por chuvas imensas é demasiado, mas usar um montante 10 vezes, 20 vezes, 50 vezes maior para o setor financeiro, por meio de pagamento de amortizações e juros (altíssimos) da dívida ou comprando dívidas podres de bilionários nas suas farras corporativas, tudo bem. O problema é quando esse dinheiro passa a ser usado para o benefício do Povo. Coisa de uma baixeza intelectual, moral e espiritual ímpar.
Na Argentina, o Milei conseguiu um feito “histórico”, uma enorme "façanha": superávit primário num trimestre. E muitos liberais o ovacionaram e quase se prostraram perante. Só que ninguém menciona os custos associados a isso: a pobreza no país só aumentou, o consumo caiu muito, e a projeção é de uma forte queda no PIB. Há, além disso, o componente inflacionário a favor do governo: se os gastos do governo têm um reajuste tardio em relação à inflação (ou simplesmente não são reajustados), a receita aumenta acima dos gastos. Some isso aos inúmeros cortes feitos logo no início de seu mandato, e pronto: superávit pra inglês ver.
Afinal, qual a importância real do superávit? A inflação na Argentina melhorou? O Balanço de Pagamentos está melhor? Estão se reindustrializando? Há menos pobreza lá por conta disso? Os superávits no Brasil nos concederam crescimento econômico, menor desigualdade, mais indústrias? Nada. Pelo contrário, essa idolatria pelo método, pelos meios A e B nos trouxeram muitos problemas, e vão continuar causando problemas enquanto forem tratadas dessa forma.
O superávit, assim como a inflação, não são uma virtude em si, algo benéfico em si. Qual a virtude ou benesse econômica de termos superávit fiscal enquanto o país se deteriora? É vantajoso perseguir uma inflação de 3% enquanto o país cai em mais recessão e dívida? Ou, nestes casos, um déficit que garante um superávit saudável no longo prazo e uma inflação (controlada) de 6% são tão prejudiciais assim?
Arthur Pavezzi