Enfrentar o fascismo – este é o papel central do próximo governo
Derrotar o fascismo é uma batalha que vai para além da disputa eleitoral
Enfrentar o fascismo – este é o papel central do próximo governo
Derrotar o fascismo é uma batalha que vai para além da disputa eleitoral
por Jorge Gregory
Foto: Alan Santos/PR
O assunto principal do final de 2021, merecedor de editoriais de grandes jornais e das mais distintas reações nas redes sociais, foi o encontro entre Lula e Alckmin. A grande maioria duvidava da possibilidade de uma aliança entre eles e, mais ainda, de que ambos pudessem compor uma chapa para presidente e vice nas eleições de 2022. O encontro mostrou que não só a aliança é algo já largamente pavimentado como também que essa composição se coloca como uma possibilidade real.
O encontro entre os dois líderes foi inicialmente motivo de intensas manifestações de indignação por parte dos puristas defensores de uma frente de esquerda. Já um pouco mais digerida, a possibilidade de uma eventual chapa tendo o ex-tucano na vice de Lula ainda é alvo de ataques. Os argumentos centrais são de que Alckmin fazia parte do PSDB, um dos partidos golpistas contra Dilma, que é de direita, de que Temer na vice deu no que deu.
Manifestações não muito diferentes ocorreram nos idos anos 80, quando da transição da ditadura militar para o restabelecimento da democracia. A campanha das Diretas Já havia levado uma multidão às ruas, mas derrotada no Congresso, obrigou as forças mais consequentes a comporem com a dissidência do regime para garantir a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral como caminho para o restabelecimento da democracia.
Para a composição da chapa, na época, não houve questionamentos a respeito do fato de Sarney ter sido escolhido para vice. À esquerda, o PT se negou a apoiar a disputa no Colégio Eleitoral e, no campo democrático, muito provavelmente alguns não se atentaram de que a composição não dizia respeito tão somente a garantir a vitória na eleição indireta, mas também a assegurar no Congresso de então a transição para a democracia. Com a enfermidade que acometeu Tancredo Neves, um intenso debate se travou sobre a possibilidade de Sarney assumir a presidência diante de um iminente falecimento de Tancredo. O argumento daqueles que se opunham à posse do vice era a de que ele havia sido líder do governo, expoente da Arena, serviu aos militares e aí por diante.
Sim, todos os argumentos eram verdadeiros, mas serviam tão somente para lançar uma cortina de fumaça naquilo que era central e determinante. Sarney e tantos outros que romperam com o regime, fizeram-no não só para derrotar a candidatura de Paulo Maluf, mas acima de tudo para assegurar uma pauta de transição para a democracia e para o poder civil. As forças consequentes, incluindo os comunistas, não vacilaram em apoiar a posse do então vice. Tal posição se mostrou totalmente correta, pois com ela se assegurou a liberdade de organização partidária e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A pauta do então governo eleito era a pauta democrática e, até o seu integral cumprimento – que foi a promulgação da Constituinte de 1988 – o vice empossado teve total apoio das forças mais coerentes. Tal posicionamento não significou que, após a concretização da pauta acordada, o mesmo governo merecesse apoio na pauta econômica pela qual enveredou. Muito pelo contrário, quando a pauta econômica passou a ser a central, recebeu forte e determinada oposição.
No momento atual, é compreensível que, para muitos, as feridas abertas pós eleições de 2014, com todo o processo que resultou no golpe parlamentar que destituiu Dilma, ainda não cicatrizaram. Mas o próprio Lula, talvez a maior vítima de todo esse enredo, nos mostra que feridas abertas não podem nos cegar, que é preciso clareza quanto ao enfrentamento travado no momento, com o estabelecimento das alianças necessárias para a superação dos desafios do presente e não os do passado.
O primeiro ponto que se deve analisar é o fato de que, ao contrário do que muitos avaliam e por mais que as pesquisas sejam otimistas, não é uma eleição ganha. Não surgiu uma terceira via como muitos apostavam, assim como não se consolidou nenhum nome capaz de aglutinar um amplo leque de forças de enfrentamento ao fascismo, de forma que vai se firmando o nome de Lula. Porém, se por um lado as pesquisas apontam uma confortável vantagem, por outro o antipetismo latente ainda é muito forte e pode vir à tona com força no decorrer da campanha eleitoral. Ampliar para o centro, constituindo uma frente em defesa da democracia é crucial para pavimentar uma vitória eleitoral.
O segundo ponto, é que se deve compreender que o enfrentamento central que se trava no momento é o combate ao fascismo, que se expressa não só na candidatura à reeleição de Bolsonaro, mas também na candidatura de Sérgio Moro que vem sendo construída. Bolsonarismo e lavajatismo tem a mesma matriz e o mesmo núcleo de sustentação: o pensamento reacionário de extrema-direita. Se hoje Bolsonaro desponta como o possível oponente ao segundo turno, a candidatura de Moro procura ampliar para o centro e centro-direita e pode galvanizar o antipetismo. Ainda que Moro não ganhe densidade, quanto a Bolsonaro, 2018 já nos deu uma grande lição de que ele não pode ser subestimado. Mesmo sendo Lula o candidato, uma candidatura caracterizada como exclusivamente de esquerda corre o risco de ser derrotada.
Derrotar o fascismo é uma batalha que vai para além da disputa eleitoral. Mesmo derrotada na eleição presidencial, a extrema-direita formará uma bancada expressiva no Congresso e procurará por todas as formas inviabilizar qualquer governo que não seja o seu. A governabilidade exigirá uma maioria legislativa que assegure um mínimo de estabilidade. Haverá no Congresso uma permanente disputa, de forma que, mesmo sendo Lula o candidato vitorioso, se não se compuser agora com o centro e com a direita democrática, terá que se compor depois.
Associada à provável bancada formada no Congresso, o que assistimos nesses últimos tempos é uma verdadeira militância de extrema direita instalada também no Judiciário. É verdade que o STF tem se mostrado uma trincheira de resistência às intensões golpistas de Bolsonaro, mas é verdade também que dois ministros servis ao totalitarismo já foram nomeados e é verdade também que inúmeros juízes têm se mostrado vocacionados a orientações totalitárias, sem contar os procuradores de mesma orientação no Ministério Público. Moro e Deltan Dallagnol ao assumirem abertamente a condição de políticos, cumprirão também o papel de articuladores desse verdadeiro partido judiciário de direita.
Não esqueçamos também do partido militar que lutará para não largar a teta conquistada com o governo Bolsonaro. Conspiraram contra o governo Dilma, articularam a candidatura de Bolsonaro e vários dos generais palacianos, a exemplo de Heleno, Braga Neto e Ramos, instigaram o capitão nas suas pretensões golpistas. Conspiraram e continuarão conspirando caso seja eleito qualquer governo que não tenha à frente Bolsonaro ou Moro.
Mas o mais importante de tudo é que o fascismo tem hoje uma expressão de massa. Trata-se de um percentual expressivo da população que não arreia suas bandeiras das janelas dos prédios e até mesmo dos mastros instalados diante das casas para demosntrar seu apoio ao genocida. Em cidades do interior não é raro encontrar motoboys com capacetes verde-amarelos. Alguns segmentos, a exemplo dos caminhoneiros, agronegócio e parcela dos evangélicos, possuem alto grau de organização e não darão tréguas a qualquer governo que não seja de extrema direita. Irão às ruas para desestabilizar qualquer governo que não seja o seu. Bolsonaro e Moro podem ser derrotados eleitoralmente, mas o fascismo permanecerá vivo.
A eleição de Lula em 2002 simbolizou um deslocamento de forças no poder. Representou a esperança de um governo de conteúdo popular, que respondesse às aspirações da maioria da população, de afirmação da soberania nacional e de perspectiva de rompimento com as orientações neoliberais. A posse de Sarney em 1985 simbolizou o afastamento dos militares do poder. Representou o compromisso de redemocratização do país e a superação de um longo período de ditadura. Qualquer um que seja eleito em 2022, até mesmo Lula, terá pela frente o desafio democrático de enfrentamento e desmobilização do fascismo. Estará mais próximo do papel que Sarney desempenhou nos anos 1980, do que Lula nos anos 2000.