Bolsonaro e o cenário hoje, sem ira e com estudo
Nunca foi tão difícil saber o que está acontecendo.
Bolsonaro e o cenário hoje, sem ira e com estudo
Por Christian Lynch –
Nunca foi tão difícil saber o que está acontecendo.
Há três barreiras:
1) a montanha de mentiras triunfalistas do governo;
2) a montanha de reportagens e artigos indignados da imprensa, denunciando o golpe como iminente;
3) a própria indignação, quase impossível de conter diante de tanta imoralidade política.
Quando se tenta ver alguma coisa, porém, para além da propaganda e da indignação, o que se vê é:
1) um presidente delinquente de popularidade minguante, vandalizando as instituições sem conseguir capturá-las completamente;
2) instituições decididas a aguentar o delinquente até 2022, mas resistindo na sua autonomia num cabo de guerra;
3) aliados congressuais do governo alugados por auto-interesses, com quem ele não pode contar para um projeto golpista.
4) desejo presidencial de golpear as instituições muito superior às suas capacidades de mobilização de apoio.
Quanto às eleições:
1) Embora jogue de forma desleal, o presidente continua se orientando pelas regras da democracia representativa porque não tem nem de longe apoio para um golpe;
2) Ele está em desvantagem, com um piso ainda alto, mas declinante, e um teto cada vez mais baixo
3) O presidente tenta enfrentar os reveses crescentes redobrando a aposta pública no escândalo polarizador;
4) Suas manifestações tipo motociata visam essencialmente a tentar ocultar o declínio de sua popularidade junto ao próprio público e seus aliados, realimentando a fantasia de seu poder golpista;
Quanto à sua estratégia futura:
1) Aposta na melhora da economia e na cooptação do eleitorado pobre com ampliação de programa de renda básica;
2) Vai requentar publicamente a oposição entre esquerda corrupta e pervertida e direita honesta e virtuosa;
Todas essas apostas são de êxito duvidoso:
1) Não há garantia de que a eventual melhora econômica chegue aos mais pobres;
2) Dificilmente será possível desvincular o novo programa de renda da associação histórica com Lula;
3) Os custos do prolongamento do governo Bolsonaro são altíssimos para absolutamente todos, exceto sua família ou o grupo neofascista de aventureiros que o envolve;
4) O grosso da oposição buscará reduzir os custos da transição de governo, atraindo militares e centrônicos.
5) Os escândalos de corrupção desenfreada e “genocídio” vão se espraiar cada vez mais a partir da CPI. Sustentar publicamente oposição entre esquerda e direita a partir de honestidade ficará muito difícil.
A capacidade de manipulação de informação pelo governo não é infinita. Não há porque arrancar os cabelos com cada nova fake news que aparece. Bolsonaro terá sempre pelo menos 15% de fanáticos de extrema-direita. O efeito das fake news para fora de sua bolha é mínimo. O que ganha eleição e novos apoiadores é bom governo. E isso ele ainda não tem para entregar.
Uma das conclusões possíveis é a de que o objetivo último de Bolsonaro, mais do que um golpe para seguir no poder, seja aproveitar a sorte que o levou à presidência para tornar sua família o centro de um partido e movimento reacionário hegemônico na direita.
Um partido/movimento populista meio mafioso, com maiores ou menores ramificações nas polícias e forças armadas e tribunais, será sempre uma força de dissuasão e instabilidade de governos de oposição a ele.
Em última análise, o importante seria garantir a longevidade de um domínio político à direita para sua família e associados, mesmo na oposição, fazendo bancada de políticos pessoalmente fidelizados, com o máximo de impunidade garantida.
Esse projeto último parece mais coerente com quem a vida inteira foi antes parasita do que golpista da democracia. Que viveu antes de explorá-la como rufião do que de realmente tentar matar aquela que garante seu sustento e de outras dezenas de encostados a ele vinculados.
Por: Christian Edward Cyril Lynch.