Um exercício de livre reflexão sobre o extremismo no Brasil

Um exercício de livre reflexão sobre o extremismo no Brasil

 

 

Um exercício de livre reflexão sobre o extremismo no Brasil

  Countering Religious Extremism Through Education in Multicultural Canada |  Integrated Studies in Education - McGill University  

Passei o fim de semana assitindo e ouvindo três peças. A primeira, os três episódios do documentário Extremistas.br, recém lançado pela Globoplay. A segunda, o episódio #877 do podcast O Assunto, apresentado pela jornalista Natuza Nery. A terceira, a série “Brasil — A Última Cruzada”, da produtora Brasil Paralelo. O conteúdo dessa produtora, embora “problemático”, é imprescindível para entender a construção de ideias capazes de radicalizar pessoas de forma intensa e em relativo pouco tempo. Juntas, as três peças fazem ver as características mais marcantes do extremismo brasileiro. Juntas, as três peças impressionam e perturbam.

O documentário, junto com o episódio do podcast, permitem enxergar — para quem não frequenta grupos de ultradireita — a homogeneidade de suas ideias e a intensidade de seu radicalismo. Foram vários os momentos que me causaram perturbação, mas a sensação que mais sobressaiu foi a de um extremismo extremado e sem matizes. Aqui nos EUA onde moro, há movimentos variados da ultradireita, com gradações distintas. Ainda que todos sejam marcadamente supremacistas, alguns contém um ideário anti-institucional, outros nem tanto. No Brasil, o ideário anti-institucional é claro. A ideia que move as pessoas por ela radicalizadas é a de que as instituições da República estão irremediavelmente corrompidas, o que dialoga diretamente com os anseios por sua extinção. Estejamos tratando do STF ou do Congresso, a percepção de instituições corrompidas transcende noções de enriquecimento ilícito que tipicamente resumem o termo “corrupção". A instituição, nesse ideário, está corrompida não apenas porque há práticas documentadas de enriquecimento ilícito de indivíduos, mas também porque os valores e costumes por eles defendidos não são os daquelas pessoas que se percebem como o verdadeiro “povo originário”, os homens e mulheres “de bem".

 

A peça da produtora Brasil Paralelo ajuda a entender porque a ideia de instituições corrompidas sem que haja qualquer solução se entranhou com tanta facilidade. Nela, há um enredo articulado sobre o que chamam de “Golpe da República”, isto é, de que a proclamação da República em 1889 teria sido um atentado contra o poder moderador da monarquia. Embora não se diga isso de forma explícita, há a construção da história de um País no qual a monarquia teria sido a instituição capaz de mediar seus conflitos, suas divergências internas, sua diversidade populacional, suas contradições. Extinta a monarquia pelos republicanos, a República Velha se ergueu sobre a união entre oligarquias que dominavam o eixo São Paulo-Minas Gerais e os governantes. Ficaram assim, corre a narrativa, instituídas as bases de uma República que já nasce corrupta. E, se já nasce corrupta, precisa ser refundada, segue a mensagem subliminar.

Refundada por quem? Pelo povo escolhido, o povo verdadeiramente patriótico, aquele que quer resgatar os valores históricos e tradicionais, os únicos capazes de levar o Brasil ao seu destino como grande Nação. Para tanto, é necessário contar com outro poder moderador, já que o anterior se foi. Esse poder moderador, segue a ideia, está imbuído nas forças armadas.

Se a República Velha era irremediavelmente corrupta, o Brasil que surgiu da instituição do Estado Novo Varguista foi construído para que se tornasse ainda mais distante de suas origens, segue a narrativa paralela. Ao apagar os traços de sua própria história, o Brasil sob as rédeas de Vargas abriu-se para as ideologias perigosas vindas do exterior. Quais ideologias? O comunismo, diz a peça. O fascismo, arremata. Um dos entrevistados naturalmente faz então a conexão: o fascismo é de esquerda. Está colocado o problema central, o inimigo a eliminar. O Brasil não é uma grande Nação porque a República oligarca e, posteriormente, o Varguismo que a sucedeu, acabaram por pavimentar a ascensão da esquerda no imaginário nacional. A mensagem subliminar está dada: é a esquerda que precisa ser eliminada para que o caminho certo seja retomado desde que desviado fora com a queda da monarquia.

Não é difícil ver que em um País onde não há pensamento crítico, essa narrativa tenha enorme apelo junto às muitas camadas da população brasileira. Trata-se de uma forma simples, porém marcada pelo sentimento crescente de indignação, de apresentar à sociedade o País e de lhe explicar o por quê de suas mazelas. Indignação é um sentimento forte. Associada a uma ideia, torna-se quase imbatível. A solução subliminar inculcada é a destruição de tudo e a tomada de poder por aqueles que foram alijados de seus lugares de direito por personagens e circunstâncias.

Esse resgate romantizado do passado ajuda a entender porque entre os radicalizados há tantas pessoas idosas. A junção das três peças também faz ver que os extremistas não são uma minoria minúscula. O extremismo não está na disposição para o vandalismo que testemunhamos na semana passada, ou não está fundamentalmente nela. O extremismo está na aceitação das ideias e narrativas aqui apresentadas. Visto dessa forma, o extremismo brasileiro não se apresenta como algo passageiro, e, menos ainda, de pequena proporção. Ele veio para ficar e a quantidade de pessoas que aceitam em parte ou totalmente suas versões e premissas é grande e continuará a crescer.

Não venho nesse artigo oferecer-lhes soluções. Há muito o que pensar e entender sobre esse Brasil alternativo. Deixo aqui apenas essas impressões iniciais para que sirvam de ponto de partida para começar a dar conta do dia 8/1.