O ruidoso suicídio do bolsonarismo

O ruidoso suicídio do bolsonarismo

O ruidoso suicídio do bolsonarismo

Paulinho

De O GLOBO

Por JOSÉ EDUARDO AGUALUSA

Nem compreendo por que os bolsonaristas que não são agentes infiltrados estão preocupados com os bárbaros presos em flagrante — afinal, todos eles são agentes infiltrados

No início da minha adolescência era fascinado por formigas. Um dia, alguém me ofereceu um livro de entomologia, cujo título esqueci, no qual se defendia a ideia de que um formigueiro não é um conjunto de pequenos insetos, as formigas, mas sim uma única e terrível entidade, múltipla e informe. Morta a rainha, todo o formigueiro se desorienta e morre.

Lembrei-me dessa tese enquanto assistia, perplexo, assustado e revoltado, ao ataque dos bolsonaristas golpistas contra o coração da democracia brasileira. Aquelas pessoas enfurecidas, correndo rampa acima, quebrando vidros e portas, destruindo obras de arte, os símbolos da República e da democracia, pareciam formigas-guerreiras. Não o animal ainda vivo, consciente, mas já depois de ter perdido a rainha, morto e desorientado.

A rainha, no caso, é Jair Bolsonaro, que fugiu para a Flórida, onde, ao que parece, enfrenta agora a rebelião das suas próprias entranhas. No Brasil, sem Bolsonaro, o bolsonarismo estrebucha. Os zumbis, vestidos de verde e amarelo, que atacaram Brasília, ainda não sabem que estão mortos. Contudo, já suspeitam disso; de alguma forma confusa e nebulosa intuem que, perdida a rainha, começaram irremediavelmente a apodrecer. Daí a raiva, a cegueira, o desespero e as lágrimas.

Muitos bolsonaristas queixam-se de que a barbárie que todos nós testemunhamos diretamente — porque, gentilmente, os vândalos iam filmando e divulgando os seus próprios crimes — terá sido praticada por agentes infiltrados do partido de Lula da Silva. Não discuto. O que me surpreende é a capacidade do PT em infiltrar o movimento bolsonarista. Estavam ali pelo menos cinco mil manifestantes, e, desses, cinco mil eram agentes infiltrados. Assim sendo, nem sequer compreendo por que os poucos bolsonaristas que não são agentes infiltrados estão preocupados com os bárbaros que foram presos em flagrante delito — afinal, todos eles são agentes infiltrados. Muito provavelmente, o próprio Jair Bolsonaro é um agente que os soviéticos infiltraram na direita brasileira, lá, nos remotos anos 1980, com o objetivo de a destruir por dentro. Ao fim de longos e humilhantes anos, o camarada Jair cumpriu a sua missão. Resta-lhe pedir asilo a Cuba ou à Venezuela.

A nível internacional, até os partidos de extrema direita se apressaram a condenar os bolsonaristas. O português André Ventura, do Chega, partido que muitos bolsonaristas luso-brasileiros ajudaram a fundar, reconheceu que o ataque a Brasília representava um desastre para a imagem do movimento no mundo. Giorgia Meloni, a primeira-ministra italiana, assumidamente neofascista, também condenou o desvario.

Lula da Silva conseguiu um feito inédito, ao receber o apoio dos dirigentes americanos, chineses e russos, além do da generalidade do mundo democrático. O episódio acabou reforçando a autoridade de Lula, dentro e fora do país.

O bizarro suicídio coletivo do bolsonarismo não significa, infelizmente, que o Brasil se libertou da direita golpista e antidemocrática. Os grupos econômicos e sociais que sempre apoiaram os delírios totalitários de Jair Bolsonaro não desapareceram. Enquanto não forem inteiramente desmantelados, o que me parece tarefa dificílima, a democracia brasileira não estará segura.