O governo Lula não é de esquerda, por Luís Nassif

O governo Lula não é de esquerda, por Luís Nassif

O governo Lula não é de esquerda, por Luís Nassif

Veremos se essa ginástica resultou em um país mais democrático, ou teremos editoriais dos jornais aliados justificando novo impeachment.

Luis Nassif[email protected]

 

 

Com sua objetividade fulminante, o Ministro Flávio Dino descreveu o governo Lula:

  • Não é um governo de esquerda.

E não se interprete a definição apenas na composição do Ministério. Lula não é de esquerda, se se entender como liderança política preocupada com mudanças estruturais na vida nacional. Não é um estadista na acepção do termo – o político que muda, que molda o Estado para os novos tempos. É um reformador, um pacificador, com certeza.

Nem no auge de sua popularidade ousou investir contra os pilares do conservadorismo nacional, mídia, mercado, Justiça e Forças Armadas. Menos agora, em uma posição politicamente mais vulnerável.

Daqui até o final do seu governo, sua preocupação maior será reunificar o país, depois da divisão de ódio que passou a imperar após a era Roberto Civita-José Serra culminando com o governo militar de Jair Bolsonaro. É uma tarefa monumental, essencial para espanar para sempre o fantasma da ultra direita que invadiu a política mundial.

A partir dessa estratégia se entendem alguns pontos.

Todos os fatores de atrito com o sistema serão trabalhados. Isso passa por jogar para segundo plano a imprensa alternativa, especialmente a que se dedicou ao embate frontal com a mídia; os movimentos de busca e reparação de desaparecidos; praticar uma política econômica ortodoxa, entre outros.

A lógica é simples. Quem é de esquerda, tem que apoiar. O segmento a ser conquistado é a direita liberal, são pactos com o setor produtivo, acenos às Forças Armadas, visando reduzir o principal mote do discurso golpista, o de que Lula pretenderia transformar o país em uma Venezuela, uma Cuba e outras bobagens.

Quando o Ministro da Fazenda Fernando Haddad fala em taxa de juros neutra, PIB potencial, assimilando todos os tics do mercado financeiro, e notas nos jornais especulam sobre embates internos com o governo, em torno de controle de gastos, está em curso a estratégia: é mercado e desenvolvimentistas se alinhando em torno de dois braços do mesmo tronco.

 

Em outra frente, vai abrindo espaço para movimentos sociais se institucionalizarem, tudo dentro dos parâmetros legais.

Quadro mais complexo é o dos crimes militares, na ditadura e no período Bolsonaro. Ontem, mães de desaparecidos foram à frente do Palácio do Alvorada tentar ser recebidas por Lula. Foram recebidas pela PM de Brasília, que ordenou que se retirassem, conforme reportagem de Leonencio Nossa no Estadão.

Foi um encontro de coincidência e simbolismo. Na manhã desta quinta-feira, 30, um grupo de familiares de vítimas da ditadura militar chegou à Praça dos Três Poderes para cobrar respostas do governo sobre os desaparecidos políticos quando se deparou com o ensaio da banda de fuzileiros navais. Havia uma data especial para a manifestação. As Nações Unidas instituíram 30 de agosto como Dia Internacional das Vítimas de Desparecimentos Forçados.

Homens da Polícia Militar do Distrito Federal apareceram para pedir que o grupo se retirasse. Horas depois, o Palácio do Planalto mandou um assessor da Secretaria-Geral à praça. Com um broche do rosto do presidente Lula na lapela, Cândido Hilário Garcia Araújo, o Bigode, recomendou que os familiares se organizassem em associação se quisessem ser recebidos pelo presidente. “É fácil ele ir à Argentina abraçar as Mães de Maio. Difícil é vir aqui”, respondeu Maria Mercês, irmã do guerrilheiro Antonio Teodoro, o Raul, do Araguaia. Ela referia-se ao encontro de Lula com mães e avós dos mortos da ditadura argentina, em janeiro, numa visita a Buenos Aires.

No esforço de dizer que o presidente estava sensível à pauta sobre a ditadura, o assessor lembrou, como se esperasse elogios, que o governo tinha reaberto a Comissão de Anistia, que avalia indenizações para quem foi atingido pela ditadura.

Os familiares dos mortos pela ditadura, no entanto, não estavam na praça para pedir dinheiro. Queriam apenas informações sobre os corpos de seus familiares. “Liberou a Anistia e não assinou a nossa. Isso é um desaforo do tamanho do mundo”, reclamou Eliane de Castro, também irmã de Raul, da família que se recusou a receber indenização do Estado. “Um monte de cabeça branca vem para cá e ninguém move um dedo. Só vem a polícia nos receber”, disse. “Ele (Lula) só perde com isso.”

É o preço da realpolitik. Daqui a três anos e meio se saberá se toda essa ginástica resultou em um país mais democrático e unido, ou em editoriais dos atuais jornais aliados justificando a falta de resultado como argumento para um novo impeachment. Mesmo sabendo-se que, na história do país, com exceção de JK, nunca houve um presidente tão arraigadamente democrático quanto Lula.