Golpismo e anistia: a trajetória política do Brasil

Golpismo e anistia: a trajetória política do Brasil

Golpismo e anistia: a trajetória política do Brasil

Por Waldenyr Caldas, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 

 

Waldenyr Caldas – Foto: Arquivo pessoal

Desde a sua Independência em 1822, o Brasil já enfrentou nada menos que nove golpes de Estado. Todos eles impactaram a vida política do País e da sociedade deixando suas marcas indeléveis. E este ato político, como sabemos, consiste na tentativa de subverter a ordem institucional e a supressão do Estado de Direito. Se, por um lado, os dois primeiros golpes ocorreram ainda antes da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, é exatamente nesta data que também teríamos o primeiro golpe, agora como República, quando o marechal Deodoro da Fonseca reuniu seus soldados para depor o Visconde de Ouro Preto, até então ministro de D. Pedro II. Com este acontecimento, a monarquia chegaria ao fim em nosso país, e surge então o momento político para o início do que os historiadores chamam de Primeira República.

 

Daquele fato histórico até este momento, ocorreriam ainda seis golpes de Estado que ainda têm uma estreita relação com nossa trajetória política até os dias atuais. Trata-se de uma lamentável herança política, mas que, afinal, nos ajuda a entender melhor o momento político pelo qual passa nosso país. Para não me alongar muito, até porque eles nos remetem a toda a história política do Brasil, apenas cito abaixo os outros seis golpes de Estado.

Isto certamente é bom todos nós sabermos e facilita ao leitor interessado na especificidade deste tema. São eles:

• Proclamação da República em 1889, já mencionado acima.
• Golpe de 3 de novembro de 1891 – Primeira Revolta da Armada. A Marinha ameaça bombardear o Palácio Presidencial e obriga Deodoro da Fonseca a renunciar. Estes acontecimentos são conhecidos como Primeira Revolta Armada.
• A Revolução de 1930. Golpe de caráter civil-militar. Uma junta militar depõe Washington Luís e assume Getúlio Vargas. O motivo alegado para o golpe de Estado foi que a eleição teria sido fraudada e assim terminava a Primeira República.
• Estado Novo – 1937. Eleito indiretamente presidente da República em 1934, mas com amplo apoio das Forças Armadas, Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional e decidiu cancelar as eleições. Inicia-se, aqui, a era do Estado Novo. Com este golpe de Estado Vargas se manteve no poder até 1945.
• O presidente Getúlio Vargas é deposto em 1945. Com decisões que contrariaram os militares, Vargas perderia força política. A gota d’água para sua deposição foi demitir João Alberto Lins de Barros e nomear seu irmão Benjamin Vargas, visto como um homem rude, temperamental e de difícil diálogo.

Generais golpistas do Brasil

 

• O Golpe de 1964. Após a renúncia de Jânio Quadros, os militares viam o vice-presidente, João Goulart, com muita desconfiança para assumir a presidência da República. Havia o receio de que o vice-presidente se aproximasse do Partido Comunista e da esquerda internacional, especialmente de Cuba, ex-União Soviética e China, onde chegou, em 1961, a visitar esses dois últimos países com objetivos de ampliar o comércio internacional para o Brasil. Entre outros aspectos de igual importância, a aproximação de João Goulart com a classe operária também pesou bastante para que os militares articulassem e realizassem o golpe de Estado em 31 de março de 1964. Este golpe de Estado foi devastador para o país e o mais longo de todos eles, permanecendo por 21 anos, até 1985. Os generais Humberto de Alencar Castelo Branco, Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista de Oliveira Figueiredo, nessa ordem, foram os cinco presidentes dessa época.

Mas, apenas para finalizar a primeira parte deste artigo, quero mencionar as tentativas de golpe de Estado que, de alguma forma naquele momento, desrespeitaram o que reza a Constituição em seu artigo 142 e colocaram em risco a soberania do País ao tentarem subtrair a democracia, ainda que muito frágil como sempre foi e assim permanece. Este é um aspecto sempre presente na trajetória da política brasileira.

Não é novidade que nossa democracia nasceu débil e até hoje permanece vulnerável. Que se pense, por exemplo, no governo de Floriano Peixoto, quando Deodoro da Fonseca renunciou ao cargo de presidente. Ele deveria realizar novas eleições mas não o fez, alegando que Deodoro foi eleito indiretamente. Por conta disso, teve que enfrentar a chamada Segunda Revolta da Armada que tentou derrubá-lo, mas Floriano contornou a crise política e se manteve no poder.

Com Getúlio Vargas, a situação não foi muito diferente. Em 1954, durante seu quarto mandato como presidente, ele enfrentou uma grande crise política, entre outras coisas, estimulada pelo jornalista Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa e filiado ao partido da União Democrática Nacional (UDN). Lacerda, sempre visto como um político extremamente interesseiro e desagregador, almejava a presidência da República a qualquer preço. Para isso, articulou forte campanha contra Vargas, potencializando um grande desgaste à sua imagem. Ao mesmo tempo, Lacerda procurava cooptar deputados no Congresso Nacional para depor seu adversário político. A essa altura já não era mais adversário, era inimigo mesmo.

Vargas não resistiu à pressão e optou pela morte. No dia 24 de agosto de 1954 suicidou-se com um tiro no peito em seu quarto, no Palácio do Catete. Até hoje os estudiosos da nossa política se dividem. Para alguns, toda a pressão sobre Vargas foi um golpe de Estado. Para outros, como não foi deposto nem renunciou, a pressão resume-se em tentativa de golpe que Vargas evitou com seu suicídio. A tentativa de golpe manteve-se ressonante e com consequências perigosas para nosso país, estendendo-se aos governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart e, finalmente, concretizando-se em 31 de março de 1964.

Durante o governo de Juscelino Kubitschek, por exemplo, houve duas tentativas de depor o presidente. A primeira ocorreu no Estado do Pará, quando os rebeldes golpistas tomaram a base aérea de Jacareacanga, liderados pelo major Haroldo Veloso e o capitão José Chaves Lameirão, em fevereiro de 1956. Entendendo que a política de Kubitschek seguiria a linha esquerdizante do ex-presidente Vargas, os rebeldes golpistas tentaram depor o presidente, mas as forças leais ao governo agiram rapidamente e evitaram que o golpe de Estado ocorresse. A maioria dos golpistas conseguiu fugir para os países que fazem fronteira com o Brasil. Mesmo assim, foram presos o líder da revolta, major Haroldo Coimbra Veloso, e mais três golpistas. Mas, neste mesmo ano de 1956, em um ato de grandeza, Kubitschek solicitou ao Congresso Nacional anistia para seus adversários. O pedido do presidente foi aceito e os rebeldes golpistas foram anistiados. Este fato histórico ficou conhecido como a Revolta de Jacareacanga.

No entanto, de 2 a 4 de dezembro de 1959, com a duração de apenas três dias, aconteceria nova tentativa de depor o presidente Kubitschek. A insatisfação dos golpistas, embora anistiados, permanecia entre os militares que não desistiam de destitui-lo. Desta vez, o promovido tenente-coronel aviador Haroldo Coimbra Veloso também estava entre os conspiradores mas não era o líder da revolta. Coube ao seu colega, João Paulo Moreira Burnier, um dos torturadores mais conhecidos da ditadura militar que derrubou João Goulart, liderar esta intentona cujo objetivo era instalar um governo ditatorial dirigido por militares. Desta vez, sequestraram até um avião Constellation da Panair do Brasil levando 38 passageiros e oito tripulantes para Belém. Novamente, não deu certo. Os 18 integrantes da tentativa de golpe (três eram civis) conhecida como Revolta de Aragarças, pequena cidade de Goiás, contavam com o apoio de alguns segmentos das Forças Armadas e poucos políticos, mas isso não aconteceu. A fuga de alguns golpistas se repetiu ao se esconderem no Peru e na Bolívia, entre outros países vizinhos do Brasil. Na época aventou-se a possibilidade da participação do marechal Castelo Branco como um dos autores intelectuais da tentativa de golpe de Estado, mas isso não prosperou e o inquérito para esta averiguação foi arquivado sem nada constatar.

Pois bem, com este breve resumo sobre os principais acontecimentos na trajetória política do nosso país, a presença sistemática de golpes de Estado, outras tentativas que não se realizaram e algumas anistias para os golpistas, é possível entendermos as razões da fragilidade da democracia brasileira. Isto porque, em uma democracia representativa como é o caso brasileiro, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, embora autônomos, precisam estar sempre em consonância, em harmonia para melhor dirigir o país. Quando isso não acontece, como é o caso do nosso país, a desinteligência entre os três poderes enfraquece a administração do Estado e por decorrência, ainda que involuntariamente, isto cria momentos e situações para que os oportunistas, como o caso já citado de Carlos Lacerda, aproveitem a oportunidade para gerar o caos e estabelecer uma crise política. Foi o que fez Carlos Lacerda e seus colegas golpistas em 1954 durante o governo de Getúlio Vargas, com o objetivo de tomar o poder, ou seja, de criar mais um golpe de Estado. Mas, enfim, este é um acontecimento político que sempre se repete na democracia brasileira. Dez anos depois do suicídio de Vargas, a história se repetiu, mas sempre em forma de tragédia.

No dia 31 de março de 1964, um golpe de Estado civil-militar articulado pelos militares e a elite econômica do País, que envolveu generais do Exército, banqueiros, industriais e políticos do Congresso Nacional, defenestrou João Goulart da presidência da República, criando a maior crise política pela qual o País já passou. Justamente por conta desse golpe civil-militar, o Brasil enfrentou uma ditadura de 21 anos. Durante esse tempo, prevaleceu a barbárie. Assassinatos de pessoas contrárias ao regime ditatorial (que se pense em Rubens Beyrodt Paiva e Vladimir Herzog), invasões arbitrárias de domicílios, torturas e, entre outras coisas não menos importantes, uma censura implacável que destruiu parte significativa da cultura e da arte no País.

Empobrecemos muito nessa época. Este foi um tempo suficiente para que nascesse uma geração despolitizada, uma juventude que foi alienada pelo Estado autoritário vendo os militares fazerem discursos apologéticos, populistas e ultranacionalistas para toda a sociedade brasileira.

Por outro lado, como se sabe, a participação política da sociedade nos destinos do Estado inexistia. Isto porque, por determinado tempo, foram canceladas as eleições para alguns cargos dos Poderes Executivo e Legislativo mais importantes da hierarquia político-administrativa do País. Para os cargos majoritários, por exemplo, como presidente da República, governadores, prefeitos e senadores, esses eram escolhidos por indicação dos militares donos do poder. Como essas autoridades não eram escolhidas pelo sufrágio universal, e sim pelo presidente da República, todos eles eram chamados, pela população, de presidente, governadores, prefeitos e senadores “biônicos”. Era uma alusão ao seriado americano da televisão na época, intitulado O Homem de Seis milhões de Dólares. Assim, podemos perceber, todos eram do Poder Executivo. Esta foi a estratégia encontrada pelo chefe do Executivo para que o governo sempre tivesse maioria no Senado.

Ora, esta sucessão quase sistemática de golpes de Estado e outras diversas tentativas, evidentemente, fragilizariam e muito a democracia de qualquer país. E foi isto, precisamente, o que aconteceu com o Brasil. Mas, no decorrer do tempo, a pressão da sociedade fez com que os militares elaborassem um plano de voltar às eleições diretas para os cargos administrativos mais importantes do País. Até porque, aqueles que se apoderaram do poder perceberam que o desgaste do seu autoritarismo era notório junto à sociedade brasileira e que a ditadura não se sustentaria por muito mais tempo.

Assim é que, em junho de 1979, o então presidente Figueiredo apresentou o projeto de Lei da Anistia ao Congresso Nacional. No entanto, ele só seria votado em agosto daquele ano, em face do recesso parlamentar. Assim, com toda essa turbulência política e muitas conversas entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, somente depois de 21 anos do Golpe de Estado, ou seja, em 1985, o primeiro presidente civil foi eleito. Não pelo voto popular, e sim por um colégio eleitoral formado principalmente por membros do Poder Legislativo. A vitória coube a Tancredo Neves (PMDB) que venceu a Paulo Maluf (PDS). Este acontecimento foi o fim de uma agonia, de muitas incertezas e de uma grande angústia de duas décadas para a sociedade brasileira.

Restava agora aos políticos honestos, à sociedade e não aos oportunistas golpistas, “juntarem os cacos” restantes de uma democracia vilipendiada pela truculência da brutalidade golpista. Nosso país, finalmente, começava a se libertar do obscurantismo imposto pelos coturnos e fuzis da caserna.

É preciso esclarecer, no entanto, que a Lei nº 6.683 de 28 agosto de 1979, assinada pelo então presidente Figueiredo e conhecida popularmente como “Lei da Anistia”, foi a forma encontrada para que o governo federal e a oposição chegassem a um consenso. Não foi o melhor acordo, mas foi o possível. Finalmente e com muito trabalho, o País poderia um pouco mais tarde, em 1985, reconquistar sua práxis política, sua redenção, seu direito ao sufrágio universal, enfim, a sua liberdade subtraída de forma traumática, na truculência belicista, na ponta do fuzil, como se estivéssemos vivendo o auge do nazifascismo europeu dos anos de 1940. É claro que a simples promulgação da Lei da Anistia não devolveu ao país a tranquilidade necessária, mas o recomeço com ela trazia muitas esperanças.

Apesar de um certo otimismo, mas também ceticismo, em nenhum momento constava no enunciado da lei o que boa parte dos políticos e da sociedade esperavam: a “anistia ampla, geral e irrestrita”. O fato é que as sutilezas da narrativa do texto legal não contemplavam os presos políticos espalhados por todo o País. Havia até mesmo um artigo na lei que não os isentava dos crimes políticos cometidos. O texto legal lembrava muito o que já havia dito o ex-presidente Ernesto Geisel: um projeto de abertura “lenta, gradual e segura”. O mais irônico é que apenas os militares que chegaram até mesmo a torturar e a executar aquelas pessoas contra a ditadura estariam livres do banco dos réus e não seriam punidos. Apesar dos inúmeros protestos públicos em todo o País, o texto da Lei da Anistia foi aprovado exatamente como queria o governo, porque afinal sempre manobrava politicamente o Congresso Nacional, como vimos anteriormente, usando a figura do político “biônico” para ter maioria e defender seus interesses pelo voto. Isto dava um caráter de legalidade à votação, e a oposição só podia protestar e nada mais.

É somente nove anos após a promulgação da Lei da Anistia que o Brasil de fato reconquista sua democracia política. Isto porque a Assembleia Nacional Constituinte promulgou a nova “Constituição de 1988” no dia 5 de outubro daquele ano. Hoje ela é mais conhecida como a “Constituição Cidadã”, justamente por recuperar amplamente todos os direitos da cidadã e do cidadão brasileiro, entre eles, o direito ao sufrágio universal, um acontecimento que ajuda espontaneamente a politizar a sociedade. Se em 1985 já foi possível elegermos um civil para o cargo de presidente, agora poderíamos votar para todos os cargos do poder Executivo. A partir desse momento, portanto, o País estava parcialmente recuperado do trauma e da tragédia de 1964. Sim, parcialmente, porque as torturas e as mortes não são possíveis de esquecermos.

O que muito provavelmente a classe política e a própria sociedade não esperavam, é que ainda pudesse acontecer a tentativa de um retrocesso político pondo em xeque o processo de consolidação democrática de um país historicamente entrecortado de golpes de Estado, como já vimos. Não são poucos. Assim, metaforicamente, poderíamos imaginar que o Brasil seria o “Rei” em um tabuleiro de xadrez e as demais peças do adversário, a cada jogada, colocariam o “Rei” em grande perigo até anunciar o xeque mate. Estas duas palavras, como se sabe, representam o final do jogo. O Rei está morto. Não, não, é um equívoco, o adversário se precipitou e errou, o Rei não está morto. Ele não percebeu que havia uma jogada genial chamada “Instituições Democráticas” que manteriam o “Rei” em plena atividade graças a esta jogada. Podemos então, dar continuidade ao processo de democratização do nosso país, tão carente especialmente no tocante à nossa democracia social cada vez mais combalida. Caro leitor, pois esta metáfora representa a fatídica e tresloucada ideia de mais uma tentativa de golpe de Estado em nosso país.

Em 8 de janeiro de 2023, vivemos a amargura, o pavor e o trauma de voltarmos ao horror de 1964. O ex-presidente Bolsonaro e alguns dos seus colegas reacionários, inconformados com a derrota nas eleições presidenciais de 2022, tentaram dar mais um golpe de Estado em nosso país, da forma mais primitiva, mas assustadoramente violenta. Entre outras coisas, estava previsto no plano golpista, “simples assim”, o assassinato do presidente da República, do seu vice e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Por mais que neguem a existência do sinistro plano de golpe de Estado envolvendo, entre outras coisas, o assassinato de três autoridades públicas, de nada adianta insistir nessa mentira. Em suas investigações, o trabalho extremamente rigoroso e eficiente da Polícia Federal arregimentou provas documentais insofismáveis e que se tornaram públicas ao serem veiculadas pelos media brasileiros. Portanto, qualquer argumento negando a intenção do crime resulta inválido e desacreditado por grande parte da sociedade.

Não por mero acaso, o ex-presidente Bolsonaro fez uma transferência bancária no valor de R$ 950 mil em 27 de dezembro de 2022 para um banco americano, viajando três dias depois para os Estados Unidos, voltando apenas em 30 de março de 2023. Pelo menos é esse o valor constatado pelo jornal Folha de S. Paulo, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Em suas investigações, a Polícia Federal concluiu que a viagem foi planejada para o ex-presidente voltar logo após a consolidação do golpe, como “Salvador da Pátria”. O fracasso do golpe de Estado mostrou que no jogo de xadrez da política as instituições democráticas saíram vitoriosas. Bolsonaro voltou apenas no dia 30 de março sem a glória desejada de “Salvador da Pátria” e, mais do que isso, de forma acanhada, solicitando ao governo brasileiro anistia para seu grupo de golpistas que destruiu boa parte das instalações do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). É claro que o próprio ex-presidente esperava que a anistia, se concedida, fosse extensiva a ele também.

Seria ainda natural, após essa vexatória derrota de impor um golpe de Estado a mais ao nosso país, que os golpistas pleiteassem o recurso jurídico da anistia, algo tão recorrente na política brasileira. Em alguns casos, essa anistia se faz justa. Em outras situações, vemos arranjos políticos que são verdadeiros atentados contra a justiça do País. A anistia, no entanto, é muito improvável que os golpistas de 8 de janeiro de 2023 venham a conseguir. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, os tornou réus justamente por tentativa de golpe de Estado durante e após as eleições presidenciais de 2022. Convém ainda registrar que, de acordo com a justiça brasileira, este não é o único crime dos golpistas. Para não me alongar, mas também porque os media já os divulgaram exaustivamente, quero apenas citá-los:

• Golpe de Estado;
• Tentativa de abolição do Estado democrático de Direito;
• Deterioração de patrimônio tombado;
• Organização criminosa armada;
• Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima.

Finalmente, apenas para maiores esclarecimentos ao leitor, quero registrar que o ex-presidente Bolsonaro já está inelegível, mas mantém seus direitos políticos. Esta inelegibilidade, especificamente, o impede de se candidatar a qualquer cargo público. Apenas isso. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve seus direitos políticos como, por exemplo, assinar projetos de lei de iniciativa popular a serem enviados ao Congresso, votar em plebiscitos, referendos e candidatos, além de assumir cargos públicos não eletivos.

Caro leitor, essa escrita, evidentemente, não dá conta de toda a complexa discussão no Congresso Nacional sobre os acontecimentos políticos do dia 8 de janeiro de 2023. Até porque, as análises e discussões continuam em andamento. Há ainda muitas questões a serem decididas sobre a tentativa de golpe de Estado e os atos selvagens dos golpistas. Porém, uma coisa é certa: qualquer que seja o resultado, nossa democracia historicamente tão maltratada como vimos no decorrer deste texto, tão desrespeitada, continuará como sempre esteve. Fragilizada. Os interesses maiores do Estado e da sociedade são tratados por uma parte dos políticos no Congresso Nacional como se fossem uma espécie de “raia-miúda”. Desimportante e de valor desprezível. Nas decisões tomadas na Casa das Leis, quase sempre prevalecem os interesses das elites do País.

Mas mudar esse comportamento depende só de nós, os eleitores. É preciso fortalecer e consolidar nossa democracia e depende fundamentalmente de nós mesmos. Se vivemos em uma democracia representativa, devemos escolher com a plena convicção de que nossos representantes são sobretudo pessoas probas. Somos nós que damos voz a eles no parlamento, onde as decisões políticas são tomadas em nome do povo, para o povo. Vamos sempre pensar nisso.