Eleições passarão por teste de fogo com popularização das IAs

Eleições passarão por teste de fogo com popularização das IAs

TECNOLOGIA

Eleições passarão por teste de fogo com popularização das IAs

Falta de regras claras para a utilização das ferramentas de Inteligência Artificial preocupa para o pleito deste ano

Por Clarisse Souza 

TSE está preocupado com a utilização da inteligência artificial no processo eleitoral brasileiro - Foto: Getty Images/iStockphoto

TSE está preocupado com a utilização da inteligência artificial no processo eleitoral brasileiro — Foto: Getty Images/iStockphoto

O processo eleitoral brasileiro deve enfrentar, em 2024, uma das maiores provas de fogo graças à popularização das ferramentas de Inteligência Artificial (IA). A tecnologia está na mira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que discute, na próxima semana, a aprovação de uma resolução para definir regras sobre seu uso em campanhas, com validade já para o pleito de outubro.

O tema em debate na Corte também já pauta o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) e o Ministério Público (MPMG), que devem mirar principalmente as “deepfakes”, instrumento capaz de manipular áudios e vídeos e de criar conteúdos falsos altamente realistas, o que, na avaliação de especialistas, eleva a produção de fake news a outro patamar. 

Por se tratar de um pleito municipal, Minas pode se transformar em uma espécie de termômetro para medir o alcance e a capacidade de interferência das deepfakes nas eleições de 2024. Segundo o cientista político e professor do Ibmec Adriano Cerqueira, a preocupação se justifica pelo fato de o Estado ter o maior número de cidades do país (853), o que faz com que eleja 15% de todos os prefeitos do Brasil. 

Diante desse cenário, o procurador geral de Justiça de Minas, Jarbas Soares Junior, revela que o Ministério Público do Estado já se articula para enfrentar o fenômeno das deepfakes nas eleições. “Os promotores eleitorais serão capacitados para o enfrentamento desse fenômeno, inclusive com a realização de um seminário no mês de julho”, disse. 

O TRE-MG informou, em nota, que também aguarda apenas o TSE bater o martelo sobre as normas para colocar em prática medidas contra o uso indevido da inteligência artificial.

Embora as deepfakes não sejam propriamente novidade – as primeiras experiências datam do início dos anos 2000 –, a principal preocupação das autoridades se baseia no fato de que “hoje é possível fazer deepfake em um celular simples”, diz a presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Minas, Isabella Damasceno.

Nesse contexto, fica cada vez mais difícil frear o avanço de conteúdos semelhantes aos que interferiram, por exemplo, na eleição presidencial da Argentina, em 2023. Em um dos casos mais emblemáticos, o rosto do então candidato Sérgio Massa foi inserido artificialmente em um vídeo de 2016 para sugerir que ele era usuário de cocaína. 

Nesse caso, o realismo do conteúdo fake foi garantido por ferramentas de IA capazes de sobrepor imagens e sincronizar até mesmo movimentos labiais. “Esse aperfeiçoamento da IA, com alto grau de manipulação, e o alcance desse tipo de conteúdo principalmente em regiões onde não se tem a cultura de checar informações é extremamente preocupante”, alerta Isabella. 

Uso exagerado pode gerar campanhas vazias, diz advogada

O uso indiscriminado e mal-intencionado das deepfakes durante as eleições municipais de 2024 pode resultar em campanhas vazias, nas quais candidatos estarão mais preocupados em desmentir conteúdos falsos do que em divulgar propostas para a cidade, avalia a advogada Eduarda Chacon, autora do livro “Inteligência Artificial”.

“O pleito será marcado por verdadeiras batalhas travadas nos bastidores, tanto por advogados e técnicos como pela imprensa, por verificadores de fatos e pela Justiça Eleitoral. Nós, eleitores, sequer desconfiaremos de quão violenta a guerra realmente foi”, prevê. 

A preocupação aumenta diante da possibilidade de um pleito polarizado, o que é considerado cenário ideal para a pulverização das deepfakes. “O Brasil e o mundo vivem uma polarização política, com bolhas sociais e tecnológicas. Quando há o bombardeamento de informações atravessadas, esse é o ambiente perfeito para que as deepfakes entrem e desastrem tudo”, explica Flávio Vidal, professor do Departamento de Ciências da Computação da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em inteligência artificial. 

Segundo Vidal, as deepfakes podem ser ainda mais nocivas em municípios pequenos, dada a rapidez com que esse conteúdo viraliza. A presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB em Minas, Isabella Damasceno, concorda. “Nesses locais, se você atribui uma fala distorcida ou não dita a um candidato, é muito mais fácil alcançar o eleitor, que pode ter sua vontade alterada por uma informação falsa”, alerta. 

TSE defende rapidez na aprovação de lei

O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, tem cobrado celeridade do Congresso para elaborar uma legislação que preveja punição a quem usar Inteligência Artificial (IA) para promover desinformação e induzir votos de maneira irregular. No mês passado, ele defendeu a cassação de registro dos candidatos que usarem IA para enganar o eleitor.

O Senado já aprecia, desde maio do ano passado, um projeto de lei para regular a IA no país. No entanto, o texto original não prevê medidas específicas para proteger o processo eleitoral. 

Mesmo sem lei específica, a advogada Isabella Damasceno alerta sobre o cidadão comum poder ser penalizado pela divulgação de deepfakes: “Ele pode ser responsabilizado tanto na seara criminal quanto na cível, com ações de reparação de dano. E quem é candidato ou partido político tem a responsabilização eleitoral pela ação dos atos que não fazem jus à verdade”.