COP28: um fracasso envernizado?
Modelo econômico capitalista, que aumenta as emissões de GEE, agrava a crise climática e destrói os recursos naturais indispensáveis à sobrevivência da vida no planeta, nunca é questionado nas COPs
Liszt Vieira
Como era esperado, o documento final da COP28 não mencionou explicitamente o fim dos combustíveis fósseis, apesar do forte apelo do Secretário Geral da ONU, Antônio Guterres, mostrando a urgência em acabar com os combustíveis fósseis que ameaçam a vida na Terra. A Declaração Final da Conferência ignora a recomendação da Agência Internacional de Energia, ou seja, uma redução de 95% das energias fósseis em 2050.
Sob forte pressão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), o documento final da COP28, recém encerrada em Dubai, não traz os termos “eliminação” ou “redução gradual” dos combustíveis fósseis. O foco foi a “transição” dos combustíveis fósseis, sem esclarecer o que os países devem fazer para o abandono gradual dos fósseis. O grande avanço foi na linguagem: pela primeira vez, aparece a ideia de restrição aos combustíveis fósseis envelopado com a expressão genérica de transição e priorizando a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) sem associação com a eliminação ou redução gradual de combustíveis fósseis, responsáveis por 75% dos gases causadores da crise climática.
A imprensa europeia, em geral, tem uma avaliação positiva. Por exemplo, Thibaud Voïta, pesquisador do Centro de Energia e Clima do Instituto Francês de Relações Internacionais, afirmou que o acordo constitui um sinal muito forte para o mundo se afastar das energias fósseis. Ele destaca a proposta de atingir a neutralidade carbono em 2050 (Le Monde, 13/12/2023). Já o The Guardian, na mesma data, ao ressaltar que o presidente da Conferência elogia o pacote histórico para acelerar a ação climática, afirma que os críticos lamentam a “ladainha de lacunas” no texto final. Por outro lado, Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, considera “esse resultado da COP28 forte em sinais, mas fraco em substância”. E Camila Jardim, do Greenpeace Brasil, destaca que o ganho real da COP28 foi colocar os combustíveis fósseis no centro do debate, responsabilidade que nenhuma das 27 conferências do clima anteriores tinha assumido (UOL, 13/12/2023).
A proposta anterior de texto final da conferência recebeu fortes críticas de países europeus, do Brasil e, principalmente, dos pequenos países insulares, ameaçados de desaparecer. “É claramente insuficiente e decepcionante”, disse o comissário de Clima da União Europeia, Wopke Hoekstra. A crítica mais contundente veio do ministro John Silk, das Ilhas Marshall, uma das nações mais ameaçadas pelo aumento do nível do mar por causa do aquecimento global: “Nós não viemos aqui para assinar nossa garantia de morte. Viemos aqui para lutar pelo limite de 1,5 ºC e só há uma forma de alcançar esse objetivo: com a eliminação dos combustíveis fósseis”.
Em busca de um compromisso difícil entre as partes mais dispostas a discutir a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis a longo prazo (a União Europeia, representantes de pequenas ilhas, muitos países latino-americanos) e os países produtores de fósseis, foi encontrada uma expressão para escapar dos termos “saída” (phase out) ou redução (phase down) dos combustíveis fósseis, considerados inaceitáveis pela Opep. O malabarismo léxico inventou uma fórmula que acabou sendo aceita, “transitioning away from fossil fuels in energy systems”, isto é, uma transição fora das energias fósseis nos sistemas energéticos, sem especificar a data.
LEIA MAIS SOBRE A COP28
Mercado tenta monopolizar discussões na COP28
‘Não nos damos por satisfeitos só com a inserção no texto’, diz Kleber Karipuna
No início da COP28 em Dubai, foi anunciada a criação de um Fundo Voluntário de Perdas e Danos, no montante de US$ 420 milhões anuais, para ajudar os países pobres a se adaptar ao novo clima, e compensar pelos danos climáticos. Isso representa apenas 2% do considerado necessário pelos cientistas. Estamos longe da decisão de um fundo de US$ 100 bilhões anuais aprovado pela COP21 em Paris, no ano de 2015, para limitar o aquecimento global a 1,5 ºC.
O Brasil teve uma forte participação na COP28. Além de Lula, estiveram em Dubai sete ministros. A delegação brasileira contou com mais de 1300 participantes, a maior entre todos os países. A ministra Marina Silva lançou, sem muita possibilidade de aprovação, a proposta de um fundo chamado Florestas Tropicais para Sempre, para os países desenvolvidos compensarem os países que preservam suas florestas tropicais.
Já o ministro de Minas e Energia fez gol contra. Ignorando os enormes recursos naturais renováveis do Brasil, apoiou o convite para integrar a Opep+. Ele também defende abertamente a exploração de petróleo na altura da Foz do Amazonas. Em seguida, a rede global de ONGs ambientalistas Climate Action Network (CAN) concedeu ao Brasil em 4/12 o “prêmio” Fóssil do Dia, alertando que as emissões de GEE, como o dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), são as responsáveis pelo aquecimento da Terra e por eventos climáticos extremos, como calor excessivo, secas prolongadas e inundações.
O trunfo do Brasil para a COP28 foi a agenda florestal, a redução no desmatamento da Amazônia, apesar do aumento do desmatamento no Cerrado. Se consideramos apenas o período do novo governo Lula, o desmatamento na região amazônica caiu 42% de janeiro a julho de 2023, em comparação ao mesmo período do ano passado, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. No que se refere, porém, aos combustíveis fósseis, a posição do Brasil é, no mínimo, ambígua. Após o ministro de Minas e Energia propor o ingresso na Opep+, e considerar o Brasil um país petroleiro, muitos observadores afirmaram que o Brasil perdeu a possibilidade de liderança mundial na luta contra as mudanças climáticas, em que pesem os esforços da turma do “não é bem assim”.
Enquanto a Colômbia decidiu aderir ao Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis (Folha, 2/12/2023), o Brasil anuncia adesão à Opep+ e espera ser um dos maiores produtores de petróleo no mundo, na contramão da transição energética. Na realidade, até agora o Brasil tem recusado a eliminação gradual de petróleo, gás, carvão e não eliminou subsídios ao combustível fóssil. E, no dia seguinte ao encerramento da COP28, o governo brasileiro realizou no Rio de Janeiro leilão de mais de seiscentos poços de petróleo e gás, muitos em áreas próximas a locais sensíveis do ponto de vista ambiental e social.
Além disso, o desmatamento é a grande contribuição do Brasil para o aquecimento global, enquanto em outros países o vilão é o uso de combustíveis fósseis. Nos últimos anos, tivemos conflitos violentos na fronteira agrícola. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que entre os anos de 1985 e 2021 foram registrados 1.536 crimes de assassinato resultando em 2.028 mortos, e cerca de 90% desses casos de assassinatos não tiveram qualquer tipo de julgamento. A violência contra indígenas, camponeses, quilombolas, trabalhadores sem terra, ambientalistas e defensores de direitos humanos é a outra face do neoextrativismo do agronegócio, da pecuária extensiva, da mineração, das madeireiras, que desmatam a floresta, degradam a terra para exportar, sem agregar valor, e liberam para a atmosfera GEE antes estocados na floresta.
As projeções da Agência Internacional de Energia indicam que a demanda global por combustíveis fósseis deve cair a partir de 2028, assim como o preço do barril diante da transição energética rumo às fontes renováveis. Se mantidos os padrões atuais de emissões, os custos à economia global seriam de US$ 178 trilhões entre 2021 e 2070. Os custos humanos seriam ainda maiores, com o aumento de insegurança alimentar, falta de água, migrações em massa e piora nas condições de saúde e bem-estar, principalmente para as populações mais pobres.
Recentes relatórios da Oxfam, divulgados no jornal britânico The Guardian, informam que o 1% mais rico da população mundial queima mais carbono do que os 66% mais pobres, enquanto os multibilionários consomem cada um o equivalente a milhares de vezes a média global. Enquanto isso, a indústria de combustíveis fósseis, com o apoio da mídia, conseguiu criminalizar o protesto ambiental em muitas partes do mundo, inclusive no Reino Unido, onde manifestações ambientais agora podem acarretar longas penas de prisão, demonizando manifestantes pacíficos como extremistas e terroristas.
De acordo com as últimas projeções do Orçamento Global de Carbono, as emissões globais de CO2 ligadas à produção e consumo de combustíveis fósseis mostram um aumento de 1,1% em relação a 2022, e esse total ainda excede os níveis de 2019. As emissões produzidas pelo carvão deverão aumentar em 1,1%, as provenientes do petróleo devem crescer 1,5% e as relacionadas com o gás natural subirão 0,5%. Embora o planeta já esteja sobreaquecido e as trajetórias dos Estados nacionais conduzam o mundo para um aquecimento de quase 3°C, as decisões da COP28 foram muito tímidas em matéria de combustíveis fósseis. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, publicado em 20 de novembro, recomendou a redução das emissões de GEE em 42% em 2030 para conter o aquecimento até +1,5°C.
A COP28 teve um número recorde de lobistas dos combustíveis fósseis. Levantamento de ONGs aponta 2.456 nomes, três vezes mais do que em 2022. O número é um recorde na história da Conferência, de acordo com dados da Corporate Accountability, junto à coalizão Kick Big Polluters Out. Segundo dados dessas organizações, publicados na Folha (5/12/2023), os lobistas dos combustíveis fósseis superam muitas delegações de países na COP28. A delegação do Brasil – a maior da COP28 com 1.337 pessoas credenciadas – teve 54 lobistas ligados ao setor fóssil.
Segundo afirmou o economista Thomas Piketty ao jornal The Guardian, as questões de classe social e econômica devem estar no centro de nossa resposta à crise climática, para enfrentar as enormes desigualdades entre a pegada de carbono dos ricos e dos pobres e evitar um retrocesso contra as políticas climáticas. Um exemplo alarmante é o caso do Brasil, onde metade do todo o crescimento fica com os 5% mais ricos (Marcelo Medeiros, Os ricos e os pobres – o brasil e a desigualdade, Cia. das Letras, 2023). Piketty sugere um imposto progressivo sobre o carbono de modo que as atividades mais poluentes ficassem sujeitas a “uma enorme tributação”.
“Infelizmente, o tempo acabou.” Quinze mil cientistas, de 161 países, assinaram relatório em que alertam sobre colapso ambiental. Publicado na revista acadêmica BioScience, o documento afirma que “a vida no planeta Terra está sitiada, à medida que continuamos a caminhar cada vez mais rapidamente em direção ao colapso ambiental” (Um Só Planeta, 1/11/2023). O ano de 2023 já é considerado o mais quente da história pelo observatório europeu Copernicus. Enquanto as concentrações de GEE continuarem a aumentar, a temperatura seguirá subindo, assim como as ondas de calor, as secas e as inundações.
Entretanto, a dependência do combustível fóssil continua apesar de todas as denúncias científicas anualmente divulgadas pelo órgão da ONU para o clima, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Estudo sobre vinte países produtores de fósseis, inclusive o Brasil, projeta uma produção de 460% a mais de carvão, 82% a mais de gás e 29% a mais de petróleo do que os limites estipulados para a contenção do aquecimento global. Segundo Inger Andersen, diretora do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), a “expansão de combustíveis fósseis está minando a transição energética necessária para atingir a meta de emissões líquidas zero e colocando em xeque o futuro da humanidade” (IPS, 9/11/2023).
As COPs até agora produziram resultados decepcionantes. E os Estados nacionais assinam, mas nem sempre cumprem os compromissos assumidos, chamados NDC (Compromissos Nacionalmente Determinados). A COP28 foi realizada nos Emirados Árabes Unidos, país petroleiro. A COP29 será no Azerbaijão, um país que tem 75% de sua economia baseada na produção de combustíveis fósseis. Por isso, muita gente deposita esperanças na COP30, a ser realizada em 2025 no Brasil, na cidade de Belém. Na COP28, ganhou destaque a Marcha dos Movimentos Sociais clamando por um futuro sustentável e exigindo o fim dos combustíveis fósseis, justiça climática e um cessar-fogo em prol da paz na Palestina.
Acabou a COP28, mas a meta de 1,5 ºC aprovada em 2015 na Conferência de Paris, a COP21, continua ameaçada. Além da emissão de GEE, a perda de biodiversidade é um problema dramático: um gigantesco processo de extinção ameaçando mais de 1 milhão de espécies vegetais e animais conhecidas no planeta, com 75% dos ecossistemas tendo sido alterados pela atividade humana. Segundo muitos cientistas, estamos a caminho de uma extinção em massa de espécies. A questão de fundo é que o modelo econômico capitalista – energívoro, consumista e concentrador, que aumenta as emissões de GEE, agrava a crise climática e destrói os recursos naturais indispensáveis à sobrevivência da vida no planeta –, nunca é questionado nas COPs.
Em 2022, a acadêmica feminista Nancy Fraser lançou um livro falando em “capitalismo canibal” que devora a democracia, o cuidado e o planeta. Anteriormente, Naomi Klein falou em capitalismo de desastre (a doutrina do choque). Outros falaram em capitalismo tardio ou em capitalismo senil, por exemplo. No entanto, o capitalismo, canibal, de desastre, tardio ou senil, está hoje ameaçado pela crise ecológica que coloca em risco a sobrevivência da humanidade. Com o mundo sacudido por uma guerra intercapitalista, como a guerra da Ucrânia, e principalmente por uma guerra genocida de Israel contra a libertação nacional da Palestina, a crise ecológica continua, profunda, lenta e inexoravelmente, a minar o capitalismo pelas ondas crescentes de catástrofe climática. A consequência é a destruição dos recursos naturais e o aquecimento global que ameaçam a sobrevivência da vida na Terra.
Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92.