As emergências econômicas do Direitos Já no combate à pandemia
A articulação democrática Direitos Já, integrada por lideranças progressistas e membros de 17 partidos políticos democráticos, prepararam conjuntamente uma plataforma de emergência que será apresentada ao país nos próximos dias. A iniciativa é extremamente oportuna porque sugere medidas para proteger a vida e a economia do povo em razão da trágica realidade de crise sanitária, econômica e social. O PCdoB participou ativamente da construção de consenso representado por Walter Sorrentino e Nilson Araújo, membros de sua Comissão Política Nacional que apresentam neste artigo as ideias centrais do documento.
O movimento Direitos Já está prestes a lançar um programa econômico de emergência para enfrentar o impacto da pandemia da Covid-19 sobre a economia e a vida das pessoas. O Direitos Já, que reúne representantes de 17 partidos e foi lançado em 2 de setembro de 2019 no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é uma dimensão muito importante da Frente Ampla que está sendo construída no país para isolar e derrotar o grupo fascista que se apropriou do poder. É fato largamente conhecido que o presidente da República vem, sistematicamente, torpedeando tanto as medidas sanitárias quanto as econômicas, o que pode converter a pandemia numa verdadeira catástrofe humana.
É importante registrar que, apesar da heterogeneidade dos partidos que compõem o movimento e dos economistas por eles indicados para elaborar a proposta, o compromisso com a democracia e com o Brasil foi mais forte que as diferenças, tornando possível formular um programa de consenso. O documento começa com um diagnóstico. A constatação foi a de que “a pandemia provocou o colapso de uma economia já vulnerável”. A economia brasileira já vinha de seis anos de crise, deflagrada em abril de 2014, e, pelos indícios do último trimestre de 2019 e primeiro de 2020, ameaçava mergulhar em nova recessão.
Com a pandemia, essa situação desabou. Já em março, apesar de o primeiro óbito provocado pela Covid-19 haver ocorrido no dia 17, a produção industrial despencou, segundo o documento, 9,1%. Não consta do programa, mas já foi divulgado o dado de abril: queda de 18,8%. Nesse mesmo mês, o comércio varejista desabou 16,8% e a arrecadação federal outros 28,9%. O mais dramático é o dado sobre o impacto da pandemia sobre a vida dos trabalhadores e trabalhadoras: segundo levantamento do IBGE, 19 milhões de foram afastados do trabalho devido à pandemia, sendo que 9,7 milhões sem qualquer remuneração. Até o dia 26 de julho, a Covid-19 já havia ceifado a vida de 87.052 brasileiros e brasileiras e contaminado 2.419.901, ocupando o segundo lugar no mundo, só perdendo para os EUA.
A partir do diagnóstico, o documento do Direitos Já apresenta um conjunto de medidas emergenciais, partindo do princípio de que não há contradição entre salvar vidas e salvar a economia, desde que o governo pague as pessoas para permanecerem em casa, pague as empresas (particularmente as micro, pequenas e médias) para não entrarem em falência e pague aos Estados e Municípios para poderem realizar o trabalho sanitário. De acordo com o documento, “é possível um cenário em que se adotem medidas que permitam simultaneamente salvar vidas e salvar a economia, possibilitando a retomada do crescimento no período pós-pandemia”. A crise sanitária e econômica se agravou mais ainda porque “o governo resistiu a adotar as medidas emergenciais e, depois que o congresso as aprovou, ainda tem retardado sua adoção”. As medidas emergenciais preconizadas pelo Direitos Já são, basicamente, as seguintes:
prolongar o programa de renda emergencial até dezembro de 2020, mantendo-se o mesmo valor aprovado pelo Congresso Nacional, com o parlamento brasileiro acompanhando a seleção dos beneficiários a fim de permitir que a política atinja todo o público potencial;
promover um plano de retomada do emprego sem perda de direitos, pois a retomada não pode ser às custas dos direitos trabalhistas; apoiar os trabalhadores com carteira assinada – são 35,9 milhões, sendo 25 milhões nas micro, pequenas e médias empresas -, estabelecendo que se garanta integralidade até três salários mínimos; ampliar o apoio às micro, pequenas e médias empresas com 100% de garantia dos créditos pelo Tesouro Nacional; garantir o repasse de recursos para Estados e Municípios, em montante compatível com a perda de receita e as necessidades do combate ao coronavírus, deixando de fazer as exigências que inviabilizem a renegociação de dívidas junto a organismos internacionais e de que renunciem a ações contra a União; renegociar as dívidas de Estados e municípios em novos termos, deixando de fazer exigências que proíbam o investimento público dos entes subnacionais;
se for necessário fazer um salvamento (bailout) de grandes grupos, melhor estatizar do que manter a gestão privada, que não irá se mostrar capaz de retomar os investimentos no pós-crise; Na concepção que norteia o documento, não tem qualquer fundamento a alegação da área econômica do governo de que não há recursos para financiar essas medidas emergenciais. Segundo o Direitos Já, “há formas de financiar estes gastos sem elevar substancialmente a dívida pública junto ao mercado. O Tesouro pode emitir títulos, vendê-los ao Banco Central e assim financiar a necessária elevação das despesas com a pandemia sem pressionar de forma excessiva a venda de títulos para o chamado mercado. Também é possível repassar o ganho de operações cambiais do Banco Central para o Tesouro”.
Isto é, emitir moeda para salva vidas de forma que, simultaneamente, salve a economia e o emprego. A alegação de que a emissão monetária provoca inflação também não se sustenta na atual situação. A pressão da emissão monetária só provoca inflação quando a economia opera a plena capacidade. Com a economia em crise e, portanto, com capacidade ociosa, a emissão monetária, ao aumentar a demanda, estimular as empresas a aumentar a produção, e não os preços. Tanto isso é verdade que a ampla maioria dos países está seguindo esse caminho na atual crise. No mundo, mas também aqui no Brasil, economistas das mais diferentes vertentes teóricas, inclusive de filiação neoliberal, estão defendendo a emissão de moeda como um instrumento decisivo para combater a crise.
Também começa a cair por terra a pregação neoliberal de que o mercado pode tudo e que, por isso, o Estado deveria ausentar-se da economia. Até economistas antes filiados ao credo neoliberal estão defendendo, alguns até com ênfase, que, para enfrentar uma crise dessa profundidade, só com a ação do Estado por meio do investimento público. O documento assume também essa posição: “o Estado terá um papel central na coordenação e indução do processo de retomada dos empregos e da renda, obviamente em parceria com o setor privado”. Para isso, “realizar uma alteração permanente nas regras fiscais, que não apenas garanta mais flexibilidade e torne nossas regras fiscais anticíclicas, mas que dê um tratamento privilegiado ao investimento público”.
Conforme o programa do Direitos Já, o investimento em saúde para enfrentar a crise sanitária já deve contemplar medidas que apontem na direção da retomada do crescimento. Cita dois casos: 1) “Foco imediato de investimentos públicos no segmento de saúde – a começar pela recomposição das verbas do SUS – e saneamento, mas também educação, que foi profundamente afetada pela pandemia”; 2) “Neste processo, é importante definir setores que aumentem a oferta de serviços públicos, a segurança alimentar, a segurança energética, e a ampliação da inovação como motor do crescimento. O primeiro setor a ser considerado dentro desta estratégia deve ser o complexo industrial da saúde”.
Orientando essas medidas que apontam para a retomada do crescimento, o documento propugna que se “necessita também de uma nova narrativa que ancore seu desenvolvimento, guiada desde medidas emergenciais até as medidas de recuperação do emprego e da produção e medidas visando o investimento de mais longo prazo. Foi sugerido que esta âncora se desse em torno da reindustrialização, com reconversão industrial, investimento em ciência e tecnologia, sustentabilidade ambiental, e especialmente a redução da pobreza e o combate às desigualdades”.
por Nilson Araújo de Souza, Walter Sorrentino