Ao Intercept, a assessoria do Alicerce informou que as reuniões não remuneradas são para “prestação de contas”, e que “todos [os trabalhadores] concordam com essa condição antes de aderirem ao contrato"”
Todos os funcionários do Alicerce são contratados como microempreendedores individuais, ou MEI. Ou seja, na prática, são pequenas empresas com um contrato de serviço com uma grande empresa, o que facilita para o Alicerce na hora de dispensá-los. Com o número de inscrições abaixo do esperado, o Alicerce iniciou em outubro um processo de reformulação. Na época, Batista falou em uma reunião virtual sobre mudanças e que profissionais foram para o “banco de talentos” — termo moderninho da empresa para dizer que a pessoa está sendo dispensada.
Apesar de o contrato que o Alicerce oferece aos trabalhadores estabelecer que a função dos profissionais contratados é “prestação de serviços educacionais”, professores reclamam da diversidade de tarefas realizadas, que vão desde ministrar aulas online até a procura de novos alunos. Tudo isso, segundo eles, com controle de ponto. O contrato impõe até multas em caso de atrasos.
Para Ricardo Gebrim, coordenador do Departamento Jurídico do Sindicato dos Professores do Município de São Paulo e advogado da Federação dos Professores do Estado de São Paulo, a relação trabalhista é clara pelo que descrevem os professores.
“Se há controle de ponto, há uma prova clara de relação empregatícia. O Alicerce não quer a prestação de um serviço, quer um empregado subordinado a ordens para cumprir diversas tarefas. Portanto, essas pessoas deveriam ser contratadas com todos os direitos que a legislação trabalhista ordena. Qualquer outra opção de contratação é nitidamente ilegal”, diz Gebrim.
A finalidade dessa contratação via MEI fica mais clara quando o Alicerce precisa dispensar os trabalhadores. Sem relação empregatícia, todos saem sem receber férias e 13º e sem direito a seguro desemprego. Os professores que falaram conosco afirmam que pelo menos 150 profissionais ficaram nessa situação após a última reestruturação. Esses mesmos profissionais ainda foram informados pelo CEO da empresa que, como parte do banco de talentos, teriam a oportunidade de receber R$ 50 por cada novo aluno que trouxessem à empresa. Para Batista, “todos os casos de líderes enviados ao banco de talentos foram devidos à questão de mérito”.
Alunos fantasmas e mesada a diretores
Para o negócio dar certo, a escola precisa crescer muito – e rápido. Por isso, dizem os professores, a busca por novas matrículas é uma obsessão nas reuniões da empresa. Porém, quando o assunto são as bolsas pagas pela ONG, há um claro descontrole, apontam funcionários.
No final de outubro, um funcionário me mostrou no sistema interno do Alicerce que dos 2.335 alunos registrados, 1.383 são bolsistas (60% do total). Segundo ele, pelo menos 30% desses bolsistas nunca pisou em uma sala ou viu uma aula virtual.
“As bolsas são concedidas de forma indiscriminada, não há qualquer controle. E depois as famílias não são informadas. Das bolsas distribuídas entre 20/07 a 21/09, vimos que dos 1.207 alunos avaliados, 298 tiveram a bolsa cancelada por não comparecimento. Todos os líderes possuem diversos desses alunos fantasmas em suas listas de chamada”, afirma.
Antes mesmo da pandemia, o grupo não parecia ter limites para buscar novos alunos. Os gestores do Alicerce chegaram a criar um grupo de WhatsApp com diretores de escolas públicas de São Paulo. Mensagens enviadas pelo aplicativo em janeiro deste ano a que tive acesso indicam que há um grupo de “diretores escolares”. Em pelo menos um recado de uma funcionária do Alicerce há citação de pagamento: “Quanto ao pagamento, cairá ainda hoje na conta que vocês nos passaram e, nos próximos meses, no dia 14”, informa a funcionária do Alicerce.
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