Os Ecos de 8 de Janeiro de 2023
Os Ecos de 8 de Janeiro de 2023
Patriotas espalhados pelas rampas na Praça dos Três Poderes no “dia da infâmia”, camisas da seleção e bandeiras em punho, marchinhas militares a embalar o espetáculo de vandalismo que tomou conta de Brasília. Era um domingo frio e escuro aqui em Washington dando o tom para o clima de tristeza e horror que se instalara na minha casa. Há datas que não saem de nós, que ficam detalhadamente marcadas na memória. Essas datas costumam ser aquelas às quais voltamos em seus tenebrosos aniversários para análisá-las em restrospectiva. Trata-se de uma forma de remodelar a vivência de algo inexplicável, de dar-lhe sentido, de buscar alívio. “As instituições resistiram”, dizem as diversas análises publicadas desde a semana passada. “As instituições resistiram e a democracia brasileira permaneceu de pé”.
Minha preferência é outra. Ainda que as avaliações retrospectivas tenham sua importância, prefiro pensar nos desdobramentos dessas datas que bifurcam, que abrem novos mundos, por assim dizer. Antes do 8 de janeiro de 2023, aqueles atos podiam ou não ter acontecido, havia uma bifurcação que não éramos capazes de enxergar com clareza, mesmo que tivéssemos subsídios para tanto.
O acervo dessa publicação é fechado e a ele só têm acesso os assinantes pagantes da Newsletter. Ainda assim, tomo como referência o que disse e escrevi desde 2022 sobre a ultradireita e, em seguida, sobre o 8 de janeiro. No dia 9 de janeiro de 2023, gravei esse vídeo (…meu Deus, porque deixei o cabelo crescer?…):
O que o Atentado de 8/1 Comunica?
Nele, trouxe algumas reflexões que continuam a ser muito pertinentes e atuais. Enfatizei que, apesar de “as instituições terem funcionado”, o 8 de janeiro poderia ser visto como sucesso por parte de seus organizadores. Por que? Porque ao contrário do que acontecera nos EUA no dia 6 de janeiro de 2021, a destruição dos 3 poderes da República articulada pela ultradireita brasileira em suas redes e canais fora, efetivamente, alcançada. Aqui nos EUA o que houve foi uma insurreição contra a certificação das eleições por parte do Congresso. Trump e seus apoiadores montaram e defenderam — até hoje — a tese de que as eleições de 2020 foram fraudadas. No Brasil, os atos do 8 de janeiro tomaram outra forma: se dirigiram especificamente aos pilares da República, considerados por muitos corruptos, “podres”, rotos.
A orquestração dos ataques contra os poderes da República já se anunciava no conteúdo dos canais e redes da ultradireita, conforme afirmo no vídeo acima. Por meio de uma sofisticada campanha de desinformação, essas redes e canais veiculam notícias falsas, “entrevistas com especialistas”, programas sobre a “história” do judiciário, executivo, legislativo, contribuindo para a radicalização daqueles que acompanham essas mídias. É, portanto, perfeitamente compreensível que entre os participantes do 8 de janeiro de 2023 houvesse “defensores da democracia” que, ainda assim, julgavam de extrema importância o ataque aos 3 poderes. Como essa estrutura de desinformação permanece não só muito atuante, mas também cada vez mais organizada e financeiramente poderosa, ela tem a capacidade de ganhar mais adeptos ao longo do tempo. Portanto, é provável que hoje tenhamos mais pessoas radicalizadas no País do que tínhamos há um ano. Essa tendência o “bom funcionamento das instituições” não é capaz de conter ou de reverter.
Deixo, assim, um alerta. Por melhor que tenha sido a resposta institucional ao 8 de janeiro de 2023, os arquitetos da data e seus atos estão ativos e não deixaram de recrutar pessoas que simpatizam com suas ideias e/ou são vulneráveis à doutrinação. Há uma máquina poderosa de recrutamento e radicalização instalada no País. Desafortunadamente, ela tem merecido pouquíssima atenção fora de um restrito círculo de acadêmicos que há muito se dedicam a destrinchá-las para compreender seu poder de alcance.