Milícias de Hitler: minissérie da Globo mostra os horrores da Noite dos Cristais

Mais do que a atuação de Aracy Carvalho e de seu futuro esposo, João Guimarães Rosa, salvando perseguidos do fascismo, a obra alerta para a indiferença inicial da sociedade alemã às monstruosidades do “gabinete do ódio” nazista

Milícias de Hitler: minissérie da Globo mostra os horrores da Noite dos Cristais

Milícias de Hitler: minissérie da Globo mostra os horrores da Noite dos Cristais

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Milhares de lojas estilhaçadas, 20 mil judeus presos (Foto: reprodução Enciclopédia do Holocausto)

Mais do que a atuação de Aracy Carvalho e de seu futuro esposo, João Guimarães Rosa, salvando perseguidos do fascismo, a obra alerta para a indiferença inicial da sociedade alemã às monstruosidades do “gabinete do ódio” nazista

A minissérie “Passaporte para a Liberdade”, uma produção conjunta da TV Globo, Sony Pictures Television e Floresta, de autoria de Mário Teixeira e dirigida por Jayme Monjarim, que a emissora está apresentando neste final de ano, retrata alguns momentos iniciais da ascensão do nazismo na Alemanha e o que teria sido a atuação da brasileira Aracy de Carvalho, companheira do escritor João Guimarães Rosa, no consulado brasileiro em Hamburgo.

ARACY GUIMARÃES ROSA SALVOU VIDAS

Aracy Carvalho teria salvado a vida de centenas de oposicionistas ao regime nazista através da liberação de passaportes que viabilizaram a fuga dessas pessoas, grande parte delas judeus, para o Brasil. Durante a passagem do escritor João Guimarães Rosa, então diplomata, no cargo de cônsul adjunto em Hamburgo, os dois se apaixonaram e, diante da barbárie fascista, teriam se unido também na luta para salvar as pessoas perseguidas por Hitler.

Em que pese terem surgido contestações à versão apresentada pela emissora, sobre o papel desempenhado pela personagem brasileira, a minissérie tem o grande mérito de mostrar ao público brasileiro algumas semelhanças, guardadas as devidas diferenças pelo fato da Alemanha ser um país imperialista e o Brasil um país da periferia, da situação vivida pela sociedade alemã durante a ascensão do fascismo com o clima de obscurantismo, violência e ódio que tomaram corpo no Brasil nos últimos anos.

Aracy Guimarães Rosa, representada pela atriz Sophie Charlotte (divulgação)

Perplexidade é a palavra que mais expressa o sentimento revelado por várias pessoas retratadas na minissérie internacional da Globo. As famílias se dividiram. Não se sabia como reagir diante do horror nazista. Depois, com o desenrolar dos fatos, a podridão e a face doentia e destrutiva do fascismo ficou evidente para todos.

Mas, no início, não se compreendia ainda muito bem qual era a essência do fascismo. Seu poder de imbecilizar as pessoas, de torná-las verdadeiros rebanhos de adoradoras do “mito” (Führer). Os alemães não faziam ideia do que seriam capazes os monstros do capitão e traficante de armas, Ernst Röhm e sua SA (Tropas de Assalto). Não era compreensível o porquê de uma boa parte da sociedade alemã permanecer indiferente às atrocidades cometidas pelas hordas de Hitler.

Não se tinha ainda noção clara de que tudo que acontecia era resultado de uma opção macabra do capital financeiro e dos monopólios industriais da Alemanha, que decidiram apoiar um psicopata e implantar uma ditadura feroz e sanguinária no país com o intuito de escravizar seus trabalhadores e todos os povos da Europa. Para isto, calaram e mataram, aos milhares, os que se opunham ao regime, principalmente os comunistas, mas não só eles.

Para as milícias de Hitler todos os que não se rendiam ao “mito”, eram de esquerda, “inferiores” e mereciam ser eliminados.

O discurso xenófobo dos fascistas chefiados por Hitler explorou o sentimento de frustração da sociedade alemã com a derrota sofrida na Primeira Guerra Mundial. Na disputa pela hegemonia da Europa – e do mundo -, os monopólios alemães levaram o país a uma aventura e fracassaram. O resultado foi jogado nas costas dos trabalhadores alemães. Além de seguir sustentando os seus parasitas, o povo alemão passou a ter que arcar também com os sanguessugas que venceram a guerra. Os vencedores, britânicos e franceses, e, porque não, os americanos, impuseram pesadas reparações financeiras ao povo alemão.

Perseguição aos judeus

A sucção de recursos do país agravou a crise e ela não foi resolvida pelos governantes de então, da social democracia. A inflação corroeu o poder de compra dos alemães e o desemprego tomou conta da sociedade. Criou-se o caldo de cultura para o surgimento do fascismo, que se aproveitou do desespero que se abatia sobre parcelas da população.

É neste contexto, de desesperança e de avanço do fascismo que é retratada a atuação de Aracy, representada pela bela atriz Sophie Charlotte, e do escritor João Guimarães Rosa na Alemanha, estrelado por Rodrigo Lombardi no consulado brasileiro. Tarcísio Filho, filho de Glória Menezes e Tarcísio Meira, interpretou o cônsul brasileiro em Hamburgo, Joaquim Antônio de Souza Ribeiro.

Segundo a versão proposta pelos autores da série, Aracy teria burlado uma norma então vigente, que limitaria a entrada de cidadãos judeus no Brasil. A versão, que procura, de forma um tanto interessada, aproximar o presidente brasileiro e líder da revolução de 1930 ao nazismo, é colocada em cheque por diversos pesquisadores e estudiosos daquela época.

Violência nazista

Os historiadores Fábio Koifman e Rui Afonso contestam a versão adotada pela Globo em artigo de seu livro “Judeus no Brasil: História e Historiografia” (2021). Segundo os autores, Aracy não teria cometido nenhuma ilegalidade. Eles informam que analisaram mais de 35 mil documentos expedidos pelo consulado brasileiro em Hamburgo naquele período e que nenhum deles foi falsificado ou forjado.

Todos teriam seguido as regras da época e foram autorizados pelo cônsul geral, Joaquim Antônio de Souza Ribeiro, ou seu cônsul-adjunto, o escritor João Guimarães Rosa, com quem Aracy se casaria depois. Aracy conheceu o escritor no próprio consulado, onde ela era chefe do setor de passaportes.

Koifman e Afonso argumentam que a brasileira pode ter ajudado muito, mas não fez nada de errado – a concessão desses vistos era permitida e só foi interrompida em junho de 1939, três meses depois do último visto de turismo concedido no consulado de Hamburgo a judeus. As fronteiras só se fecharam totalmente para a saída de judeus em outubro de 1941, diz Koifman. “Depois disso, Aracy poderia ter sido morta [por ajudar judeus], mas antes, não”, acrescenta o historiador.

VISTOS ERAM LEGAIS

Além disso, eles ressaltam que todos os vistos foram devidamente informados depois pelo consulado ao governo brasileiro. Em nenhum deles teria sido ocultado que foram dados a judeus. Se houvesse alguma irregularidade, dizem os historiadores, o governo teria notado e cobrado explicações, e não há sinais de que isso aconteceu, de acordo com eles. Também não há notícias de que alguém que tenha recebido um visto em Hamburgo tenha enfrentado problemas ao desembarcar no Brasil, afirmam.

Guimarães Rosa e Aracy

Outro argumento dos historiadores contra a “restrição brasileira” é que os consulados brasileiros de outras cidades portuárias da Europa, como Marselha, na França, e Antuérpia, na Bélgica, emitiram tantos ou mais vistos de turistas para judeus na mesma época. Consulados de cidades portuárias costumavam ser mais movimentados, explicam eles, porque delas partiam os navios para outros países e continentes, e era ali que os vistos costumavam ser pedidos.

Mas aquele final da década de 1930 foi especialmente agitado. A intensa violência contra judeus na Noite dos Cristais, entre 9 e 10 de novembro de 1938, tinha deixado claro do que eram capazes os fascistas. Era preciso fugir da Alemanha.

Sophie Charlotte e Rodrigo Lombardi representando Aracy e João

Os testemunhos dados por descendentes de pessoas ajudadas por Aracy – que ficou conhecida como “Anjo de Hamburgo” – a entrarem no Brasil, que aparecem ao final de cada episódio da minissérie, além de emocionantes, revelam que a brasileira realmente foi uma pessoa muito dedicada, não gostava dos nazistas e tinha um bom coração.

Reforçam também o fato de que todas as homenagens recebidas pela brasileira, entre elas a de 1982, onde Israel a condecorou como “Justa entre as Nações”, foram plenamente merecidas.

Os números de vistos, apontados acima, emitidos em várias cidades europeias, desfazem a afirmação dos roteiristas de que haviam restrições exageradas à entrada de judeus no Brasil. É claro que todo o país controla suas fronteiras e regula a entrada de estrangeiros, principalmente num momento grave como aquele, do final dos anos 30.

É só se deter, por exemplo, nos frequentes conflitos migratórios nas fronteiras europeias e americanas, tanto naquela época quanto atualmente. Os fascistas costumam exacerbar esses conflitos migratórios para amedrontar a classe média de seus países. Algumas personalidades brasileiras, por falta de rigor ou por pura má fé, costumam fazer análises daquela conturbada fase da vida mundial com os olhares de hoje, ou seja, com os olhos de quem já sabe perfeitamente tudo o que representou o nazismo.

BRASIL FOI O PRIMEIRO PAÍS A REPRIMIR O NAZISMO

Em 1938, não era assim. Estados Unidos, Inglaterra, França, Brasil e a própria URSS mantinham relações normais com a Alemanha. O comércio e a diplomacia com o país europeu eram intensos e praticados por praticamente todos os países do mundo. Ainda não se sabia da existência dos campos de concentração. Nenhum diplomata alemão havia sido expulso de país algum. Aliás, o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a reprimir o partido nazista. Em 1938, o nazismo foi proibido no Brasil e o Partido Nazista alemão foi banido, passando a agir clandestinamente.

Não por acaso, foi neste mesmo ano que a Inglaterra e a França assinaram o Acordo de Munique com Hitler. Tentaram apaziguar a besta nazista. Neste “acerto”, parte da Polônia foi entregue a eles pelos ingleses e franceses e houve um claro sinal dado por Neville Chamberlain, do Reino Unido, e de Édouard Daladier, da França, de que eles apoiariam se as hordas nazistas abrissem uma guerra, não na Europa, mas sim na URSS.

Acordo de Munique, em 1938

O Brasil vivia na época – e vive até hoje – sob as amarras da implacável dominação imperialista. Na época, esta dominação era exercida pela Inglaterra, que, com seu parasitismo, tantos males acarretava ao povo brasileiro e ao desenvolvimento do país. Era natural, portanto, que nestes conflitos – que ainda permaneciam no campo da política – entre as potências imperialistas, o Brasil não se associasse a este ou aquele açambarcador e procurasse, fundamentalmente, defender os interesses nacionais. E foi o que Getúlio fez.

Um outro argumento importante dos dois autores para contestar a versão abraçada pela minissérie é de que no período em que Aracy estaria “facilitando” a fuga de judeus da Alemanha, o governo alemão na verdade queria expulsar os judeus do país e tentava que eles saíssem por conta própria. Eles aproveitaram para se apoderar dos bens e do patrimônio dos judeus expulsos do país, num processo chamado de “arianização” da Alemanha.

NAZISTAS SE APODERARAM DOS BENS CONFISCADOS

 

“Os alemães estavam interessados que os judeus saíssem, então, quem agisse neste sentido seria visto com bons olhos. E ela (Aracy) não tinha dificuldade de relacionamento com os alemães (…)”, afirmam os dois autores.

Cerca de 500.000 judeus viviam na Alemanha em 1933, menos de 1% da população total. A maioria deles tinha orgulho de ser alemão, cidadãos de um país que produziu grandes poetas, escritores, músicos e artistas. Mais de 100.000 judeus alemães serviram o exército durante a Primeira Guerra Mundial, e muitos deles foram condecorados por sua bravura.

Os judeus ocupavam cargos importantes no governo e ensinavam nas melhores universidades da Alemanha. Entre os trinta e oito escritores e cientistas alemães ganhadores do Prêmio Nobel entre 1905 e 1936, quatorze eram judeus. O casamento entre judeus e não-judeus estava se tornando cada vez mais comum. Embora os judeus alemães continuassem encontrando alguma discriminação em sua vida social e carreira profissional, a maioria era otimista em relação a seu futuro como cidadão alemão. Eles falavam o idioma alemão e consideravam a Alemanha sua pátria.

Gabi Petry, representa uma judia que convive com nazistas

Além da perseguição aos comunistas, o ódio xenófobo e racista de Hitler & Cia se concentrou na “questão judaica”. Eles já haviam tentado sem sucesso jogar a sociedade alemã contra os judeus. Em 1º de abril de 1933, para “testar limites”, os nazistas executaram a primeira ação nacional planejada contra eles: um boicote aos estabelecimentos de propriedade de judeus. A ação não agradou a opinião pública alemã.

O porta-voz do Partido Nazista alegou que o boicote era uma retaliação contra judeus alemães e estrangeiros, incluindo jornalistas americanos e ingleses, que criticavam o regime nazista. No dia do boicote, membros das Tropas de Choque se postaram agressivamente em frente a lojas e outros estabelecimentos de propriedade de judeus. A “Estrela de Davi”, de seis pontas, foi pintada de amarelo e preto nas portas e janelas daqueles estabelecimentos. Cartazes foram colados com os dizeres “Não comprem de judeus” e “Os judeus são a nossa ruína”.

Depois, em 1938, os fascistas se aproveitaram de um episódio ocorrido na França para desencadear um novo progrom (perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso), a “Noite dos Cristais”. Ela aconteceu como represália por um atentado realizado por um estudante judeu em Paris. No dia 8 de novembro de 1938, um estudante judeu de 17 anos chamado Herschel Grynszpan, em protesto contra a perseguição à sua família, realizou um atentado na embaixada alemã localizada em Paris. Nesse ataque, o diplomata Ernst vom Rath foi alvejado e faleceu horas depois.

BRASIL APOIOU CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEAL

Foi desencadeado então o maior progrom que havia sido realizado até então. Ataques contra judeus pelas milícias armadas de Hitler aconteceram em várias partes da Alemanha. Nesta noite de horror foram destruídas milhares de lojas e incendiadas sinagogas por toda a Alemanha. Cerca de 20 mil judeus poloneses foram presos e mandados para a Polônia.

Na Alemanha, onde o fascismo cultivou uma suposta superioridade da “raça pura”, a tensão era grande. A “solução final” que os nazistas apresentaram para a “questão judaica” todos conhecem bem. Cerca de 6 milhões deles foram mortos nas câmaras de gás espalhadas em campos de concentração na Alemanha e outros países dominados por ela. Muitos desses campos, inclusive o de Auschwitz, foram libertados em 1945 pelas tropas do Exército Vermelho soviético.

Já a solução apresentada por Stalin e por outros líderes mundiais, com grande ajuda do Ministro das Relações Exteriores do governo brasileiro, Osvaldo Aranha, foi bem diferente. Foi criado o Estado de Israel, em 1947, no Oriente Médio. A sessão foi conduzida por Osvaldo Aranha, ministro de Getúlio Vargas, que advogou em favor da criação do Estado de Israel e conclamou uma votação de delegados das nações então constituídas.

O ministro Osvaldo Aranha e o presidente Getúlio Vargas – Foto: Acervo FGV

Mas, em 1938, quando se passa a história relatada na minissérie da Globo, essas questões não estavam resolvidas ainda. A solução para os judeus espalhados pelo mundo, que reivindicavam uma pátria, não era uma questão simples. Nenhum país do mundo sozinho conseguiria resolver este problema. Mas não faltavam propostas. Haviam iniciativas várias.

Em 23 de setembro de 1938, por exemplo, o Interventor Federal no Pará, José Carneiro da Gama Malcher, encaminhou ao Presidente da República Getúlio Vargas, uma proposta de assentamento de 50 a 60 mil famílias europeias, de origem judaica, em terras a serem adquiridas por intermédio do senhor José Júlio de Andrade, coronel da Guarda Nacional e ex-senador do Pará, parte delas situadas nas bacias dos rios Cajari, Jarí e Parú.

Esta proposta feita pelo interventor do Pará já me havia sido relatada há muitos anos pelo saudoso Almirante Gama e Silva. Ele havia apontado, numa entrevista ao HP, feita por nós, que a região Amazônica poderia ter se tornado uma “Israel”. “Uma empresa, com capital de um milhão de libras esterlinas, constituída na França, mas com garantias de bancos ingleses e franceses, encarregar-se-ia da execução do plano, urgente porque havia pressa em retirar tais famílias dos locais de origem, devido às perseguições étnicas desencadeadas pelos nazistas”, relatou o almirante.

Entusiasmado com as cifras envolvidas e com o nível sócio cultural dos colonos em perspectiva, o Interventor do Pará sugeriu ao Presidente Getúlio Vargas, que autorizasse o empreendimento. Logicamente que Getúlio não tratou um assunto dessa magnitude com a ligeireza e com a irresponsabilidade almejada por José Carneiro da Gama Malcher. O presidente recusou a iniciativa de alocação, por grupos privados, de um enclave na Amazônia. Ele preferiu ajudar de forma definitiva, e junto com todos os países do mundo, a resolver o problema.

INVASÃO DA UNIÃO SOVIÉTICA

Depois da invasão da URSS, em junho de 1941, quando a guerra deixou de ser um conflito eminentemente interimperialista e passou a ser uma ameaça fascista para todo o planeta, o Brasil se somou aos aliados antifascistas na luta contra Hitler. Getúlio fez isso quase ao mesmo tempo que Roosevelt. Pouco depois da declaração de guerra da Alemanha contra os EUA, em 1942, o Brasil declarou guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e ajudou a atrair outros países da América do Sul no mesmo sentido. O Brasil não só fez isso, como mandou tropas para lutar contra o fascismo na Europa.

A maioria dos que confundem a atuação firme do governo brasileiro em defesa dos mais legítimos interesses nacionais nos anos que antecederam a guerra, com uma suposta “simpatia” pelo nazismo, o fazem por não analisarem com profundidade a conjuntura da época.

O imperialismo inglês, já bastante parasitário, era quem asfixiava a economia brasileira. Era contra a agiotagem dos banqueiros ingleses e a sabotagem às nossas empresas que o país se debatia. Nesta época, o Brasil, assim como os principais países do mundo, não tinha conflitos importantes com a Alemanha. Pelo contrário, a Alemanha tinha grandes investimentos no setor industrial brasileiro. O governo brasileiro soube, portanto, explorar as contradições entre as potências que disputavam a hegemonia mundial para, fundamentalmente, garantir o desenvolvimento nacional.

Mesmo quando declarou guerra ao Eixo, o Brasil condicionou a liberação de uma base militar no Atlântico Sul, localizada na cidade de Natal, para uso das tropas norte-americanas, à liberação da ajuda tecnológica e financeira – que estava bloqueada – para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), empresa chave para o desenvolvimento industrial do país.

Getúlio e Roosevelt se reuniram para discutir a guerra (foto: arquivo)

FRENTE AMPLA ANTIFASCISTA

Não houve, como queriam os apressados, uma adesão pura e simples aos aliados, os mesmos “aliados” que exploravam o Brasil e nos impediam de crescer. O que houve, na verdade, durante aquelas negociações, foi um compromisso profundo de formação de uma verdadeira frente ampla contra o fascismo. Houve também uma vitória estratégica do Brasil na luta pelo seu desenvolvimento. Getúlio Vargas no Brasil e Franklin D. Roosevelt nos EUA, souberam neutralizar as forças internas que eram simpáticas ao nazismo e deram uma grande contribuição à Humanidade.

A década de 30 foi, sem dúvida, uma das mais difíceis, tanto para o Brasil como para todo o mundo. Em seu início ocorreu por aqui uma revolução nacional. Em 32, aconteceu a guerra contra a oligarquia destronada e ávida de retornar ao poder. Em 34, é instalada a Constituinte com suas grandes conquistas democráticas e sociais. Em 35, o erro dos comunistas, que, por conta de seu dogmatismo, não perceberam que ocorria uma revolução no país. Em 37, com a ameaça de retorno da oligarquia ao poder, é implantada a ditadura revolucionária do povo contra a restauração do poder oligárquico. O país arranca para a industrialização. Em 38, Getúlio esmaga os fascistas que tentaram um golpe em maio daquele ano.

Foram deste período as grandes conquistas dos trabalhadores brasileiros. O país construiu nestes anos as bases de uma nação livre, próspera e independente. Entretanto, a substituição, no final da Segunda Guerra, da hegemonia inglesa pela norte-americana no domínio da região, aprofundou a exploração e colocou a luta num outro patamar, mais difícil.

Os governos americanos, tanto de democratas quanto de republicanos, afastaram Getúlio em 1945, influenciaram Dutra a retroceder nas conquistas e levaram o presidente Getúlio, que havia voltado nos braços do povo, ao suicídio em 1954. Tiveram que conviver com Juscelino, que se elegeu com apoio de Getúlio, para mais adiante, derrubarem João Goulart e implantarem uma ditadura entreguista que durou 21 anos.

Mesmo com tudo isso, as profundas bases introduzidas com a revolução de 30 impediram que a nação fosse destruída.

Com a retomada da democracia em 1985, o país teve a triste sina de se defrontar com o surgimento do neoliberalismo, uma falsa teoria econômica, que, usando a força destrutiva do capital financeiro, voltou a estrangular a economia do Brasil.

Esta praga neoliberal, que vem infernizando o Brasil desde os anos 80, estagnou o país e destruiu – com raros momentos de resistência – boa parte do que foi construído em todos esses anos.

Lembrar o que significou o nazismo para os alemães e para a Europa, como faz a minissérie da Globo, mais importante do que discutir o quanto Aracy e João Guimarães Rosa ajudaram os judeus e outros perseguidos a escaparem da morte, é uma forma de relembrar os horrores que a humanidade vivenciou ao se defrontar com o “gabinete do ódio” de Hitler. Nada mais importante para os brasileiros assistirem nos dias de hoje.

SÉRGIO CRUZ