Elias Jabbour: O grande jogo chinês no Oriente Médio

Elias Jabbour: O grande jogo chinês no Oriente Médio

Elias Jabbour: O grande jogo chinês no Oriente Médio

 

   

Sinais de mudança geopolítica. Apoio a Tel-Aviv desgasta duramente os EUA. Pequim vê grande oportunidade: oferecer escolas, metrôs, ferrovias e financiamento. Em troca de petróleo, penetração política e, em breve, um yuan internacional

Direto ao ponto. O nível de contestação do poder estadunidense sobre os destinos do Oriente Médio chegou ao seu mais alto patamar – consagrado por seu apoio nada envergonhado a Israel em um capítulo sombrio da história humana. A Arábia Saudita busca diversificar portfólio lançando um grande projeto modernizador; o Irã segue seus próprios esquemas geopolíticos independentes dos Estados Unidos; o Iraque lança suas próprias bases para maior autonomia após duas décadas seguidas de ampla destruição; o Talibã afegão, mais pragmático do que imaginamos, reconhece as riquezas minerais do país como um grande ativo estratégico para lidar com o resto do mundo e escapar do lugar que os Estados Unidos reservou ao país na divisão internacional do trabalho de provedor de ópio à sua classe média alta.

Ao lado disso existe a China, desprovida de amarras ideológicas nas relações exteriores e com nenhuma propensão ao proselitismo. É evidente que os recursos que o Oriente Médio necessita para todo e qualquer tipo e nível de projeto, desde a reconstrução do Iraque, Síria e Afeganistão até projetos modernizadores como o da Arábia Saudita não encontrarão nos Estados Unidos fonte produtiva, financeira e apoio político. Por outro lado, aos chineses interessa não somente a busca por matérias-primas e acordos com Estados que auxiliem o país no combate ao terrorismo interno, sobretudo no Xinjiang. A Rússia, a Ásia Central e o Oriente Médio são parte de um gigantesco projeto de integração econômica centrada na China cuja Iniciativa Cinturão e Rota é apenas a ponta do iceberg. Particularmente projeto o surgimento, nas próximas décadas, de uma grande economia transnacional unificada centrada na China, abarcando a Rússia, a Ásia Central e chegando à Síria. A ver.

Em outro nível de abstração, também existe o jogo da opinião pública internacional sobre a qual os chineses, que governam o país amparando-se em pesquisas diárias de opinião sobre si mesmos dentro e fora do país, estão conectados e suas posições claras e objetivas sobre Gaza deixam claro isso. Mais uma oportunidade de exercer pressão sobre a retórica estadunidense de defesa (sic) de um mundo baseado em regras e valores como “democracia”, “liberdade” e “direitos humanos”.

O fato é que nos últimos anos, de forma silenciosa, os chineses foram fincando pé na região. No Iraque uma combinação interessante em ampliação da substituição de petrolíferas ocidentais por chinesas em grandes projetos de oleodutos e prospecção offshore vem acompanhada pela construção de mil escolas no país pelos chineses somente entre 2001 e 2023 e a previsão de outras oito mil nos próximos anos. O déficit de escolas no Iraque é de 12 mil unidades. Ano passado 2023, as exportações de petróleo do Iraque à China duplicaram em relação ao ano anterior. No Afeganistão, o “grande acordo” com o Talibã envolve a exploração de lítio, a recuperação de amplas parcelas das infraestruturas destruídas no país e a geração de 120 mil empregos diretos nestes projetos. Em troca, a domesticação do movimento separatista uigur pelo Talibã.

A República Islâmica do Irã, a nosso ver, foi o laboratório de um grande experimento onde um país percebe em seus recursos naturais um grande ativo estratégico o transformando em moeda de troca tendo como meta um projeto modernizador. Desde 2021 os chineses estão provendo o Irã com linhas de trens, transferência de tecnologias relacionadas às indústrias de base e o metrô de Teerã em troca de petróleo para os próximos 30 anos em valor estimado de US$ 300 bilhões.

A cereja do bolo deste grande jogo não foi somente colocar o Irã e a Arábia Saudita na mesma mesa para sentar e aplainar (grandes) diferenças. Existe uma questão estratégica envolvendo o aparecimento do petroyuan. A China internacionaliza sua moeda sem abrir sua conta de capitais como desejam e aconselham “técnicos” do FMI e o Banco Mundial. Em um primeiro momento a China – principalmente a após a crise financeira de 2008 – passou a operar grandes acordos de swap com diversos países, principalmente de seu entorno asiático. Ao lado disso, parte do que a “internacionalização do reiminbi” já ocorre sob os auspícios da Iniciativa Cinturão e Rota e no campo das transações envolvendo petróleo. Por exemplo, um acordo com a Arábia Saudita contemplou uma operação de swap de US$ 7 bilhões. O petroyuan sinaliza como um desafio ao “sistema petrodólar”, uma vez que a China ultrapassou os EUA na reciclagem das receitas petrolíferas do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG).

O mundo não é para amadores.

Elias Jabbour é Consultor da Presidência e da Diretoria de Pesquisas do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD)

Fonte: Outras Palavras.