Documentos mostram como espião de Macri tentou exílio no Brasil para barrar investigações

Gustavo Héctor Arribas, que fizera fama e fortuna antes como um controverso empresário de futebol, era o número um da Agência Federal de Inteligência

Documentos mostram como espião de Macri tentou exílio no Brasil para barrar investigações

Documentos mostram como espião de Macri tentou exílio no Brasil para barrar investigações

 

Gustavo Héctor Arribas, que fizera fama e fortuna antes como um controverso empresário de futebol, era o número um da Agência Federal de Inteligência

Os votos de Alberto Fernandez ainda estavam quentes nas urnas das eleições presidenciais argentinas quando o “Senhor 5” entendeu que o vento tinha mudado de direção.

E soube que seu último lance tinha fracassado: não iria mais virar cidadão brasileiro.

O ato tem um ponto que o torna um tanto inusitado: Gustavo Héctor Arribas, que fizera fama e fortuna antes como um controverso empresário de futebol, ainda era o número um da “Agência Federal de Inteligência” (AFI), o organismo superior do Sistema de Inteligencia Nacional (SIN) do país vizinho, quando entrou com o processo 08505.014936/2019-67 no ministério da justiça para naturalizar-se brasileiro.

O posto na AFI foi ocupado do primeiro ao último dia do mandato (10/12/2015 a 10/12/2019) de Maurício Macri. Durante esse período de Arribas ocupando cargo público, há ainda uma vultosa transferência financeira do Brasil para Miami pela alegada compra de um apartamento em Buenos Aires realizada logo após ser alvo de uma operação da polícia federal daqui, como está detalhado mais abaixo.

A tentativa de naturalização em outro país durante o exercício na AFI é algo como se o diretor da “Agência Brasileira de Inteligência” (ABIN), ainda no cargo, pedisse a naturalização argentina. Nos estertores do seu tempo na função. E num cenário de prognósticos eleitorais próximos já totalmente adversos.

Uma cartada ousada. Ou mais provavelmente ainda, apenas assustada.

E que simboliza todos os temores das voltas que o mundo dá para quem durante quatro anos comandou um mundo paralelo e subterrâneo, de acordo com o que a justiça e a imprensa argentina tem demonstrado em diversas ocasiões nos últimos tempos. Num cenário familiar aos ouvidos brasileiros, um universo em que um presidente aparelhou o estado com espionagem ilegal aos adversários políticos e falsidade documental, como está no processo comandado pelo juiz federal Juan Pablo Auge.

O “Senhor 5”, como são chamados os ocupantes do posto de Arribas, praticou, de acordo com o juiz, espionagem ilegal da residência de Cristina Kirchner e ainda do “Instituto Patria”, conhecido por ser como uma base política do chamado “kirchnerismo”.

Agência Sportlight
Macri e Arribas

Pedido de naturalização do "senhor 5" foi negado

Amigo desde os tempos de adolescente e do círculo mais próximo de Maurício Macri, nomeado para ser o comandante da AFI mesmo sem qualquer experiência ou formação na área, Gustavo Arribas viu sua tábua de salvação no “exílio” brasileiro ruir no dia 20 de dezembro de 2019.

 

 

Ao abrir o “Diário Oficial da União”, Gustavo Arribas encontrou o veredito para seu recente pedido: “indeferimento de pedido de naturalização” feito através do processo que correu no departamento de migrações do ministério da justiça.

A notícia encontrou o “Senhor 5” em momento de apuros: dez dias antes, Alberto Fernandez tinha tomado posse como presidente da Argentina. E tendo como vice exatamente Cristina Kirchner, depois de derrotarem Macri em 27 de outubro.

A justificativa para não conceder a naturalização de Gustavo Arribas, mesmo diante do fato do argentino ser casado e ter filhos com uma brasileira, negócios por aqui e cadastro como pessoa física (CPF 05*.9**.9*7-81), além de já ter residido no país por longos anos, foi “não atender o naturalizando ao disposto no artigo 65 da Lei nº 13.445/17”.

A reportagem da Agência Sportlight de Jornalismo procurou o ministério da justiça para saber se o status de “indeferido” ainda é vigente no processo de Gustavo Arribas e ainda a razão pela qual houve a negativa. Através da assessoria de imprensa, o ministério confirmou que a negativa de concessão de naturalidade brasileira segue valendo mas não informou os motivos para tal.

O artigo 65 da Lei nº 13.445/17 que aparece como justificativa da não concessão, determina que a naturalização pode ser concedida para aqueles que demonstrem “(I) ter capacidade civil, segundo a lei brasileira; (II) residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos; (III)comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; (IV) não possuem condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei”.

Embora não informem a razão da negativa, notoriamente o “Senhor 5” atende aos três primeiros requisitos. No entanto, no item IV, encontra obstáculos judiciais. Tanto aqui quanto na Argentina.

Feitiço contra o feiticeiro

A tentativa de naturalização como brasileiro em vez de simplesmente seguir por aqui como argentino pode ter uma explicação que encontra sua origem em curioso caso onde, mais do que nunca, o feitiço se virou contra o feiticeiro. Irmanados em seus princípios, Jair Bolsonaro e Maurício Macri fizeram questão de mostrar o quão duros eram logo no primeiro encontro dos dois, em 16 de janeiro de 2019.

Bolsonaro tinha sido empossado duas semanas antes de receber Macri no Palácio do Planalto. Com a presença de quem havia proposto a atualização da lei de que trata as extradições entre os dois países, o não menos arauto do endurecimento penal Sérgio Moro, os presidentes assinaram as novas diretrizes para eventuais delituosos dos dois países. A partir dali, a extradição entre os dois países passou a ser quase um ato sumário, eliminando-se diversos protocolos.

Feitiço contra o feiticeiro: Macri e Bolsonaro assinam acordo que endureceu a lei de extradição 

Não há registro da presença do “Senhor 5” na cerimônia. Mas estando ou não, deve lembrar-se até hoje da ironia: foi por um ato de governo de alguém tão próximo que certamente passou a correr mais riscos de eventual extradição estando abrigado por aqui.

Êxito no processo de naturalização, impediria eventual extradição

O que talvez explique que no fim daquele mesmo 2019, como já citado aqui, tenha tentado a naturalização brasileira. Já que pelas mãos do amigo Macri a extradição Brasil/Argentina virou rito sumário, a naturalização o deixaria a salvo, pois a legislação brasileira não permite que um cidadão daqui seja extraditado. Mas em 20 de dezembro último, veio a ducha de água fria: não é cidadão brasileiro. E se vier para cá, pode ser extraditado.

Provavelmente Macri e o “Senhor 5” não imaginavam que menos de um ano entre aquele 16 de janeiro de 2019 da assinatura da nova legislação de extradição e o 20 de dezembro da negativa da cidadania brasileira para Arribas, uma eleição seria perdida e investigações avançariam contra ambos.

O argentino Ezequiel Fernandez Moores, um dos grandes repórteres do cenário mundial da imprensa, resume a trajetória do “Senhor 5” em conversa com a reportagem e o preço do cálculo que talvez não tenha sido feito por ele na transição do futebol para a política em um país que, ao contrário do Brasil, puniu seus militares genocidas no pós-ditadura: “Arribas foi sócio ou testa de ferro de Macri na compra e venda de jogadores, seu trabalho principal até que novamente Macri o chamou mas para ajuda-lo na política e pediu-lhe que fosse ser chefe na AFI para vigiar políticos e opositores, sindicalistas, juízes e jornalistas. A impunidade com que os dois faziam negócios no futebol se transladou para a política. Mas a política não é futebol. E o dinheiro público não é dinheiro privado. E a impunidade não pode ser eterna”.

Os motivos de preocupação para o “Senhor 5” parecem se confirmar.

Em agosto de 2020 a imprensa argentina noticiou que Arribas teria enviado a família para o Brasil e preparava vinda, mesmo que, como agora sabemos, não tenha obtido a cidadania brasileira. Em setembro, a justiça argentina proibiu o ex-espião de deixar o país.

Se na Argentina vem sofrendo na justiça em razão de suas ações à frente da AFI, Gustavo Arribas também tem seus problemas com a lei por aqui.

Em 2017, o amigo de Macri teve o nome veiculado na Lava Jato por recebimento de US$ 600 mil da empreiteira Odebrecht.

E no dia 1º de março de 2018, o “Senhor 5” foi alvo da “Operação Descarte”, que teve origem a partir de duas fiscalizações no âmbito da Lava-Jato e que tinha como ponto de partida a investigação de empresas que simulavam a venda de mercadorias aos interessados em lavar dinheiro. Gustavo Arribas foi citado como receptor de US$ 850 mil de uma empresa de fachada.

Dias depois de ser alvo de operação da PF, Arribas tirou do Brasil grande quantia em dinheiro

Agência Sportlight de Jornalismo encontrou na Junta Comercial de São Paulo um documento que mostra uma alta movimentação e transferência financeira por parte do espião de Macri tirando do Brasil e enviando para o exterior U$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares) no dia 30 de maio de 2018, sob a justificativa da compra de um apartamento em Buenos Aires. Ou seja: dois meses após ser citado pela Polícia Federal (PF) daqui por circulação ilícita de capital via empresa de fachada, o “Senhor 5” retira boa parte do dinheiro de uma empresa sediada em São Paulo e manda para o exterior.

Mais exatamente para o Bank of America de Miami. E com a justificativa da compra de um apartamento em Buenos Aires.

É o que consta dos documentos da empresa que leva suas iniciais no nome, a GHA Negócios, Participações e Administração de Bens Ltda. Numa operação em diversas fases, Gustavo Hector Arribas realiza movimentações que se conectam no tempo entre elas e que podem ser assim resumidas:

– 1º de março de 2018: Gustavo Arribas é alvo da “Operação Descarte” da PF que aponta US$ 850 mil pertencentes a ele frutos de transações ilícitas.

-17 de maio de 2018:  A Soccer Player Agenciamento Esportivo Ltda, empresa onde Gustavo Arribas detém 80% do capital, bota R$ 6.400.000,00 (seis milhões e quatrocentos mil reais), exatos U$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares) no câmbio da data para a conta nº 202**14**0 do Banco Nación Argentina (filial 002 Avenida Paulista nº 2319, São Paulo), sob gestão da GHA Negócios, Participações e Administração de Bens Ltda, também de Gustavo Arribas.

– 30 de maio de 2018: utilizando a mesma GHA Negócios, Participações e Administração de Bens Ltda, Gustavo Arribas declara na Junta Comercial do Estado de São Paulo estar transferindo também US$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares) ou R$ 6.400.000,00 para um cidadão argentino, de nome Ignacio, documento de identidade 2*.1**.2*1 e CUIT 2*-2**00**7-4, pela compra de um apartamento entre a rua Ugarteche com avenida Libertador. O dinheiro é depositado no Bank of America, filial de Miami Beach 33139, conta  00**37**37*4.

Prédio na rua Ugarteche com Avenida del Libertador onde o “Senhor 5” teria comprado apartamento 

A reportagem ouviu um dos maiores especialistas nas chamadas operações com “indícios de atipicidade nas transações”. Por não ser um caso de sua alçada e Arribas responder a outras investigações, pediu para que não fosse identificado. Depois de analisar a compra, deu algumas de suas percepções sobre o caso.

“É preciso ser dito que assim não posso ter ideia de toda operação, portanto não podendo ter absoluta certeza. Pode ser tentativa de fugir de impostos, mas chama atenção qual é a razão para uso dessas empresas na transação, quando o normal seria o envio de dinheiro via um contrato de câmbio para fazer o pagamento saindo da conta dele”. A proximidade da transação que mandou o capital para fora com a operação em que foi alvo é o que mais chama atenção.

A reportagem não conseguiu contato com o vendedor do apartamento. Mas identificou participação dele em 4 empresas ao menos. Uma delas tendo tido sociedade com Héctor Hugo Buitrago, um ex-goleiro sem maior relevância no cenário da bola mas posteriormente empresário de futebol, sobre quem identificamos ainda uma empresa no paraíso fiscal das Ilhas Seychelles e sede em Montevidéu.

Proximidade com Macri desde os primeiros tempos como empresário de futebol

O futebol é, além da sombra de Macri e as pegadas dessa parceria ainda a serem identificadas, a outra atividade mais marcante na vida de Gustavo Arribas. Como empresário do ramo, esteve envolvido em grandes transações. E como sempre, em histórias envoltas em nebulosidade.

O grande salto como empresário de jogadores foi durante a longeva presidência de Macri no Boca Juniors, entre 1995 e 2007. Estiveram envolvidos em acusações de nebulosas transações e a recorrente afirmação reinante de que Arribas era o testa de ferro de Macri.

O auge dessas transações, algumas até hoje não totalmente apuradas, foi entre os anos de 2004 e 2007, quando o Corinthians fechou parceria com a MSI, representada no Brasil por Kia Joorabchian, um testa de ferro do magnata russo Boris Berezovsky. O primeiro grande negócio da MSI com clube paulista foi a contratação de Carlito Tevez, estrela do clube presidido então por Macri.

Uma breve análise no histórico do ex-espião no Brasil mostra mais uma dessas datas coincidentemente conectas da vida de Gustavo Arribas e Macri.

Rigorosamente sincronizada com os primeiros tempos da parceria do Corinthians com a MSI, o “Senhor 5” abre no dia 22 de agosto de 2005 em São Paulo a HAZ Sport Agency Agenciamento Esportivo. Onde aparecia tendo como sócio majoritário a pessoa jurídica da HAZ Sport Agency S.A., com sede em Buenos Aires. Uma empresa com subsidiária no paraíso fiscal de Gibraltar, ao sul da Espanha, onde estava a HAZ Football World Wide Limited. Sendo o “H” de Fernando Hidalgo, o “A” de Arribas” e o “Z” de Pini Zahavi.

A inscrição da empresa do “Senhor 5” na Junta Comercial de São Paulo tinha ainda como procurador Alexandre Verri, posteriormente denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha devido à suposta participação como sócio da empresa MSI brasileira. De acordo com os autos, Verri teve participação ativa na formalização da MSI brasileira, tendo sido sócio e realizado operações em nome da empresa. A MSI usava os valores amealhados no exterior e, sob o pretexto de investimento no país, empréstimos e pagamento de passes de atletas do Corinthians, conseguiam lavar esse capital através de contratos de câmbio registrados no Banco Central em operações realizadas por meio de um banco.

Apenas com a intermediação de Carlitos Tevez vendido por Macri, a HAZ de Arribas ganhou US$ 1,6 milhão de comissão.

Petraglia também foi próximo a Arribas

Um outro grande parceiro de Gustavo Arribas no Brasil na ocasião foi Mario Celso Petraglia, o homem forte do Atlético Paranaense. Reportagem publicada em 28 de março de 2019 da Agência Sportlight de Jornalismo, mostrou que em época paralela a essa relação Arribas x Petraglia, o dirigente abriu, em fevereiro de 2005, duas empresas no paraíso fiscal do Panamá, a “Soccer Development” e a “The Soccer Consulting”, de acordo com os registros obtidos na Junta Comercial daquele país. Na ocasião, ouvido pela reportagem, Petraglia negou a existência das empresas e ameaçou processar em caso de publicação.

No rol dos negócios de Arribas sempre carecendo de algum asterisco com maiores explicações, está a efetiva parceria com o Deportivo Maldonado, do Uruguai. Clube do início do século XX e que em 2009 foi arrendado por investidores ingleses e transformou-se em misto de paraíso fiscal do futebol e barriga de aluguel.

 Além da possibilidade de desfrutar de uma legislação onde as transações chegam a pagar cerca de 40% a menos de impostos do que em países como Brasil e Argentina, casos como o do Maldonado transformaram-se verdadeiros dribles na regulamentação da Fifa, que permite apenas clubes como donos dos direitos de jogadores. Assim, tornaram-se os meios para uma manobra de agentes e fundos de investimento para viabilizarem serem os donos dos jogadores. Ao longo desses anos, o “Senhor 5” tem inscrito diversos jogadores como sendo do Maldonado. Sem nenhum deles ter sequer pisado lá.

Outro lado:

A reportagem tentou contato com o advogado de Gustavo Hector Arribas na Argentina, sem sucesso. Eventual envio de resposta terá atualização aqui.

 

Lúcio de Castro, jornalista