‘Deus mercado’, um embuste propalado para tapear você e garantir a exploração

O Expresso 61 conversou com o cidadão comum, jornalistas especializados, economistas e parlamentar para tentarmos entender essa enganação disseminada pela mídia monopolista para manipular a população incauta

‘Deus mercado’, um embuste propalado para tapear você e garantir a exploração

DESTAQUE ECONOMIA POLÍTICA

‘Deus mercado’, um embuste propalado para tapear você e garantir a exploração

 13 de março de 2021

O Expresso 61 conversou com o cidadão comum, jornalistas especializados, economistas e parlamentar para tentarmos entender essa enganação disseminada pela mídia monopolista para manipular a população incauta

 

Por Letícia Valadares e João Negrão

 

Sempre que assistimos, lemos ou ouvimos os jornais e o assunto é a economia do país escutamos falar sobre o tal “mercado”, como ele se movimentou durante o dia no Brasil e no mundo e reagiu às movimentações políticas. É bem comum que ele reaja nas quedas ou elevação das bolsas de valores ou do dólar de acordo acontecimentos políticos ou com pronunciamentos importantes, como foi esta semana após a fala do ex-presidente Lula.

Mas afinal, o que é esse mercado, esse “deus” propalado pela grande mídia monopolista do Brasil e do Exterior? A população em geral sabe como ele funciona? E por que esses episódios impactam o seu desempenho?

A grande maioria do cidadão comum não tem a mínima ideia do que seja esse “mercado” tão íntimo da Miriam Leitão e outros jornalistas e “especialistas” que aparecem na Rede Globo e em outros canais de TV, jornais e revistas falando de seus “humores”.

A moradora de Águas Lindas de Goiás, Rosa Maria, de 40 anos, por exemplo, acha que o mercado se refere ao preço das mercadorias. “O meu entendimento é de que ele muda os preços dos alimentos e das coisas que a gente compra no dia- a- dia”, acredita.

Para o porteiro João de Souza, 36 anos, o mercado mexe com o preço do combustível. “Quando eu vejo falar sobre esse assunto na televisão, entendo que ele pode estar ligado no preço da gasolina que está cada dia mais alta e quem está no controle disso é o governo”, diz.

A gari Cleuza Antunes, moradora do Núcleo Bandeirantes, 43 anos, diz não fazer a menor ideia do que seja. “Sei nada disso, não. É a venda, né? O mercadinho do meu bairro. Sei nada. Só vejo falar na televisão, mas não entendo nada. Aquela senhora da Globo sempre fala isso e às vezes eu penso que é uma pessoa”, disse.

O servidor público aposentado, Geraldo dos Santos Filho, de 67 anos, morador do Cruzeiro, entende que “é uma grande enganação dos que querem criar um fantasma para justificar essa dominação que a gente vive”. Para ele “esse mercado não melhora a vida de ninguém”.

Mídia humaniza

O deputado federal Ênio Verri (PT-PR), também professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná, diz que é necessário entender o mercado como um encontro de vários agentes. “Estão ali quem compra, quem vende e quem vende é da agricultura, da indústria e do comércio. Ou seja, são todos os setores que se encontram e ali procuram atender as suas demandas e suas necessidades. Esse é o conceito original do mercado”, pontua.

Para ele, a mídia trata o mercado como um ser humano. “É muito comum nos meios de comunicação você ouvir o seguinte: ‘O mercado esteve agitado’. Por exemplo, ‘o discurso do presidente Lula deixou o mercado agitado’ ou ‘o mercado estava nervoso’, ‘o mercado estava muito sensível ao o que Bolsonaro está fazendo’, como se o mercado fosse um ser humano”.

“Na verdade o mercado é um ente puramente especulativo. Este é o mercado financeiro, que estou me referindo, o verdadeiro mercado especulativo que pensa só no lucro e não está nem um pouco preocupado com a vida da população”, descreve.

Segundo Ênio, a abordagem usada pelos jornais é consequência de acordos financeiros entre os setores. “Esses meios de comunicação, canais abertos, eles têm muita dificuldade de sobreviver, estão quebrados e quem investe neles são os bancos. Portanto, quem sustenta os jornais são os bancos, e os jornais refletem aquilo que os bancos querem, já que são empregados deles”, denuncia.

Hélio Doyle, jornalista e consultor em comunicação e política, também comenta sobre a relação dos meios de comunicação com este mercado. “Os empresários se preocupam com os resultados de seus investimentos financeiros, com o câmbio e com os juros, por isso têm muito interesses nas oscilações das bolsas, das moedas estrangeiras e das taxas de juros. Ficam, assim, reféns dos que manipulam esses mercados. Os jornalistas refletem essa preocupação que os seus patrões têm e muito deles são altamente influenciados por economistas de escolas liberais e neoliberais. E jornalistas de esquerda dificilmente sobrevivem nas grandes empresas jornalísticas”, explica.

Para Márcia Azevedo, jornalista e especialista em Economia, a forma como o assunto e abordado pela mídia é feito com jargões técnicos que impõe uma barreira ao público. “Nos jornalistas-comentaristas econômicos, penso, existe um discurso de poder. Todo campo de saber tem algum nível de linguagem e jargão técnicos que impõem uma barreira à compreensão. Dos anos 80 e 90 – época de grandes crises inflacionárias e planos econômicos mirabolantes – até os primeiros anos deste século, jornais e telejornais falavam muito de balança comercial, balanço de pagamentos, banda cambial, câmbio flutuante, PIB, renda per capita, déficit fiscal, superavit primário etc. Claro que era uma linguagem hermética, que poucos entendiam”, explica.

“A mídia é um braço do capital, seja industrial ou financeiro. Os conglomerados de comunicação estão nas mãos de grandes grupos econômicos, sobretudo no Brasil, onde setor de comunicação é extremamente concentrado. Além disso, a publicidade é vital para financiar a mídia e manter ou ampliar o mercado consumidor, que tem o próprio dinheiro como mercadoria e o lucro como fim. Isso sem mencionar o discurso ideológico, a (des) legitimação de valores, a disseminação de conceitos, preconceitos, estereótipos… Na era das ‘narrativas’, o poder da comunicação de massa não pode ser menosprezado”, acrescenta Márcia Azevedo.

O rosto do mercado

O economista Emilio Chernavsky, doutor em Economia pela USP, diz que é preciso mostrar que o mercado não é um ente etéreo, sem rosto, mas sim uma instituição que reúne pessoas, com poder e que usam para perseguir seus interesses. “O rosto do mercado é o rosto dessas pessoas, dos donos do dinheiro, os grandes milionários, e dos administradores desse dinheiro nos bancos, corretoras, gestores de ativos. Essas pessoas é que são o mercado, as ações delas é que tem impacto, não as do trabalhador que consegue poupar parte de sua renda e aplicar em um fundo de investimento ou comprar uma ação. Esse trabalhador não tem poder nenhum no mercado, ele não é o mercado”, esclarece.

A economista Leila Brito, supervisora Técnica do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) em Goiás explica que “deus mercado cantado em verso e prosa pelos liberais e a grande mídia” é o setor financeiro.  “O capitalismo é um sistema concentrador de riqueza, excludente e, portanto, gerador de excedente. No sistema capitalista pode-se gerir essa riqueza acumulada no âmbito do setor produtivo e ou no setor financeiro. O mercado financeiro tem a finalidade de administrar a riqueza acumulada líquida adquirida com verbas remuneratórias salariais ou de lucros obtidos através de investimento produtivo no setor privado. Esse mercado tem interesses próprios distintos do setor produtivo”, elucida.

No sistema financeiro que é essencialmente especulativo, acrescenta ela, pode-se investir a riqueza líquida em ações de empresas, títulos públicos, títulos privados ou poupança, ao contrário do que ocorre no setor produtivo. “No setor produtivo as empresas investem a riqueza material ou patrimonial para desenvolver atividades produtivas e atender a demanda efetiva. Nele as pessoas físicas investem em bens e serviços”, explica.

Leila Brito explica ainda que, ao contrário da maioria dos países do mundo, onde o funcionamento do mercado financeiro é regulado e se submete as regras e normas estabelecidas pelo Estado nacional, no Brasil esse mercado é totalmente desregulado. “Por isso tornou-se o paraíso dos rentistas que nadam de braçada e usufruem a maior lucratividade do planeta”, observa.

Um ser onipresente

Ela acrescenta que recentemente essa rentabilidade passou a seguir parâmetros internacionais por questões conjunturais, mas continuou desregulamentado e ditando as cartas. “Se o mercado financeiro fosse regulado no Brasil jamais seria a menina dos olhos dos ultraliberais e ou tão pouco cantado em verso e prosa pela mídia. Ao contrario, estaria circunscrito a sua função de gestor de riqueza líquida dos especuladores.

Por ser desregulado o mercado financeiro no Brasil tornou-se um ser onipresente. De longa data virou um grande problema para o desenvolvimento nacional ao se comportar como gestor público e impor seus próprios interesses como solução para o país. De forma evidente no Congresso Nacional ecoa um numero de relevante de porta-vozes do rentismo”, expõe.

A economista do DIEESE alerta ainda que “por ser essencialmente concentrador de riqueza o sistema financeiro gera um processo onde o rico fica mais rico”, principalmente, quando o mercado é desregulado. “O problema é que as soluções para o país apontadas pelo setor é a sua própria agenda em detrimento da população e do desenvolvimento nacional. Para se favorecer o mercado é contrário a políticas públicas distributivas ou tributação que contrarie os seus interesses de maximizar os seus ganhos. Por isso, o mercado é tão decantado pelos liberais ao coincidirem os próprios interesses de uma sociedade, concentradora, desigual e individualista. A mídia o defende porque tem nele seus maiores patrocinadores”, finaliza.