61 anos do Comício da Central: o último ato de Jango antes do golpe

61 anos do Comício da Central: o último ato de Jango antes do golpe
Reunindo cerca de 300 mil pessoas, manifestação visava demonstrar apoio às reformas de base propostas pelo presidente João Goulart
Há 61 anos, em 13 de março de 1964, ocorria no Rio de Janeiro o Comício da Central (ou Comício das Reformas). A enorme manifestação popular visava demonstrar apoio às reformas de base propostas pelo presidente João Goulart, voltadas ao combate à concentração fundiária e redução da desigualdade social.
Reunindo cerca de 300 mil pessoas, o comício alarmou os setores conservadores, que reagiram incentivando o recrudescimento da articulação golpista. Poucas semanas depois, Goulart seria derrubado por um golpe militar.
Jango e a oposição golpista
Em agosto de 1961, menos de sete meses após sua posse como Presidente da República, Jânio Quadros renunciava ao cargo e inaugurava um período de grande agitação política no Brasil. À época, as eleições presidenciais não eram disputadas por chapas vinculadas, existindo votação separada para os cargos de presidente e vice-presidente.
O líder trabalhista João Goulart (vulgo Jango) havia sido reeleito vice-presidente no pleito de 1960, sendo, portanto, o sucessor legal de Quadros. Mas, ao contrário de Quadros, ferrenho anticomunista e defensor de pautas conservadoras, Goulart era herdeiro da tradição nacional-desenvolvimentista, possuindo vínculos com o movimento sindical e com a esquerda nacionalista.
Incomodada com a possibilidade de um presidente ligado à esquerda assumir a presidência, a cúpula dos militares tentou impedir sua posse, mas foi confrontada pela Campanha da Legalidade liderada por Leonel Brizola.
Vislumbrando o risco de guerra civil, o ex-presidente Juscelino Kubitschek costurou um meio termo – Goulart assumiria a presidência, mas teria seus poderes limitados pela mudança do regime de governo para o parlamentarismo. Goulart aceitou a condição e tomou posse em 8 de setembro de 1961.
A medida não bastou para acalmar os setores reacionários da sociedade. Incomodados com o discurso de Jango sobre a necessidade de combater privilégios e modernizar as estruturas sociais arcaicas, empresários, religiosos, parlamentares, imprensa e o oficialato militar se uniram em uma campanha de desestabilização do governo, auxiliados por think tanks ligados ao governo dos Estados Unidos, como o IBAD e o IPÊS.
Utilizando-se do fantasma da “ameaça comunista”, do discurso moralizante de combate à corrupção e de uma alegada “defesa da família e da liberdade”, o discurso antigovernista tornou-se gradualmente mais agressivo até assumir explicitamente seu intento golpista.
Não obstante, Goulart, mesmo limitado e sabotado pelo congresso, logrou aprovar projetos que lhe granjearam popularidade, tais como a Lei 4.090, que criou o 13º salário, e a Lei 4.130, que extinguiu a idade mínima para aposentadoria.
Em janeiro de 1963, Goulart convocou plebiscito para que a população decidisse sobre a forma de governo. A maioria esmagadora dos eleitores (85%) optou pelo presidencialismo, revestindo Goulart de plenos poderes executivos.
As Reformas de Base
Superada a tutela imposta pelos militares, Goulart começou a avançar sua agenda progressista. Em março de 1963, ele promulgou o Estatuto do Trabalhador Rural, regulando as relações de trabalho no campo.
No mesmo ano, Goulart elaborou, com a ajuda dos ministros San Tiago Dantas e Celso Furtado, o Plano Trienal — um projeto desenvolvimentista aliando controle de déficit público e estratégias de captação de recursos para financiar reformas estruturais, ditas “reformas de base”.
O projeto incluía seis reformas principais. A reforma agrária intencionava desapropriar latifúndios improdutivos situados às margens dos leitos rodoviários e ferroviários. A a reforma educacional previa a erradicação do analfabetismo por meio da adoção do método Paulo Freire e priorização do magistério. A reforma fiscal visava criar um sistema de tributação progressiva proporcional à renda e limitar a remessa de lucros para o exterior.
Havia ainda a reforma eleitoral, que estendia o direito de voto aos analfabetos e militares de baixa patente e legalizava a atuação do Partido Comunista Brasileiro (PCB); a reforma urbana, que previa o fornecimento de habitação condigna a todas a famílias; e a reforma bancária, que assegurava acesso ao crédito para pequenos produtores.

Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964
Goulart também propôs a nacionalização de setores estratégicos da economia, incluindo parte da indústria de base, produção de energia elétrica, refino de petróleo, companhias químicas e farmacêuticas.
As reformas propostas indignaram as elites e os militares, que instaram os congressistas a rejeitarem integralmente o Plano Trienal. Goulart tentou então costurar uma aliança parlamentar entre o seu Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD) de Juscelino Kubitschek e cooptar apoio das esquerdas para uma estratégia de mobilização popular.
A aliança com o PSD seria breve, mas o líder trabalhista conseguiu o apoio de organizações como o Partido Comunista Brasileiro, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Frente de Mobilização Popular (FMP).
O comício
Como parte da estratégia de mobilização, Goulart propôs a organização de uma série de comícios em diferentes regiões do país, culminando com uma greve geral que seria decretada no dia 1º de maio de 1964, com o objetivo de pressionar o congresso a aprovar as reformas de base.
O maior e mais importante desses comícios foi realizado no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964, em frente à estação ferroviária Central do Brasil. O comício reuniu aproximadamente 300 mil pessoas, contando com a presença expressiva de sindicatos e organizações de esquerda, estudantes, movimentos sociais e militares de baixa patente.
No palanque principal estavam Leonel Brizola, deputado do PTB, Miguel Arraes, governador de Pernambuco, Darcy Ribeiro, ministro da Casa Civil e José Serra, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Brizola foi o mais aplaudido, fazendo um discurso inflamado em que exortava Goulart a abandonar a política de conciliação e instalar “uma Assembleia Constituinte com vistas à criação de um Congresso Popular”.
Já era noite quando Goulart subiu ao palanque acompanhado da esposa, Maria Thereza, e fez um discurso de improviso que durou mais de uma hora. Goulart criticou a “democracia antipovo” subordinada aos monopólios nacionais e internacionais, defendeu a revisão da Constituição de 1946 e a necessidade de aprovar as reformas agrária, tributária e eleitoral para pavimentar o caminho da emancipação econômica, do progresso e da justiça social no Brasil.
Durante o ato, Goulart anunciou que havia assinado dois decretos. O primeiro autorizava a desapropriação dos lotes de terra improdutivos lindeiros às ferrovias, rodovias e açudes federais e os direcionava para a reforma agrária. O segundo nacionalizava as refinarias particulares de petróleo.
No dia seguinte, Goulart assinaria um terceiro decreto, tabelando o preço dos aluguéis e imóveis e autorizando a desapropriação de imóveis vazios ou abandonados para fins de utilidade social.
A reação foi imediata. O histriônico Carlos Lacerda, governador da Guanabara, classificou o comício como “um ataque à Constituição e à honra do povo” e o discurso do presidente como “subversivo e provocativo”.
Menos de uma semana depois do ato, organizações reacionárias organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, contrapondo-se às reformas e clamando abertamente pela deposição de Goulart.
O general Humberto Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, enviou uma circular aos militares advertindo sobre os perigos do “comunismo”. Poucos dias depois, João Goulart seria deposto no golpe de Estado que instaurou a ditadura empresarial-militar que se prolongaria até meados dos anos oitenta no Brasil.