PCdoB 99 anos: lutas e percalços

“O partido é como a fênix: quando se pensa   que acabou tudo, ele renasce das próprias cinzas”  João Amazonas 

PCdoB 99 anos: lutas e percalços

PCdoB 99 anos: lutas e percalços

Luiz Manfredini 

 — 21/03/2021 Comentar

 

Por Luiz Manfredini

“O partido é como a fênix: quando se pensa 

 que acabou tudo, ele renasce das próprias cincas” 

João Amazonas 

É de se indagar como o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que completa 99 anos de ininterrupta existência neste 25 de março de 2021, resistiu a tantas e tamanhas adversidades. Esta é uma das reflexões imprescindíveis – e atualíssimas – que se impõem quando o Partido se aproxima do seu centenário.  

De fato, a história dessa agremiação revolucionária, que até fevereiro de1962 usou a sigla PCB, está povoada de percalços. Vale recordar que o Partido, nascido legal em 25 de março de 1922, meses depois teve seu registro cassado pela Justiça Eleitoral. Mas seguiu adiante, embora clandestino. Após a insurreição de 1935, que dirigiu através da Aliança Nacional Libertadora, e sobretudo com o golpe de novembro de 1937, que instituiu a ditadura do Estado Novo, o Partido sofreu tão feroz repressão que se viu praticamente liquidado. A maioria dos seus dirigentes nacionais e estaduais estava na cadeia.  Ainda assim, sob rigorosa clandestinidade, os comunistas seguiram agindo no cenário político nacional. E em agosto de 1943, 46 deles reuniram-se na Conferência da Mantiqueira e reorganizaram o Partido que, em abril de 1945, decretada anistia, voltou à legalidade roubada 23 anos antes. 

Nas eleições de dezembro daquele ano, os comunistas arrebanharam 10% dos votos nacionais para Yedo Fiuza, seu candidato à Presidência da República, e elegeram 14 deputados federais e um senador, Luiz Carlos Prestes. Em poucos meses, inscreveram-se em suas fileiras mais de 200 mil brasileiros e brasileiras, incluída a maior parte da intelectualidade do País. Somente no Rio de Janeiro, foram criadas cerca de 500 células, mais de 300 em São Paulo.  

Elites com medo. 

O crescimento do Partido atemorizou as elites conversadoras, já assanhadas com o início da Guerra Fria. E o registro do Partido foi cassado em maio de 1947 e, menos de um ano depois, foram cassados os mandatos dos parlamentares comunistas e expedidos mandados de prisão para todos. Nos 38 anos seguintes o Partido amargaria períodos ora de clandestinidade, ora de ilegalidade. No início dos anos 1970, nova onda repressiva atingiu em cheio a organização revolucionária. A guerrilha do Araguaia foi derrotada após três campanhas de cerco e aniquilamento realizadas pelas forças militares e, nas cidades, a caçada a dirigentes e militantes do PCdoB atingiu o núcleo central do Partido, prendendo e assassinando importantes dirigentes. Três anos depois, com a queda de uma reunião do Comitê Central no bairro paulista da Lapa, mais prisões e assassinatos. Em sua cela, no tenebroso quartel da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, o dirigente Haroldo Lima ouviria de um policial: “Haroldo, seu PCdoB acabou”. A mídia acompanhava essa versão, mancheteava o fim do PCdoB. É verdade que a forte repressão fez com que os contatos entre dirigentes e deles com os militantes se perdessem. O Partido, de fato, estava desarticulado. Mas, como sempre, logo se iniciou minucioso trabalho de reorganização que culminou com a realização em Tirana, a capital albanesa, da 7a Conferência Nacional, entre 1978 e 1979. O policial que abordara Haroldo Lima estava enganado. 

A anistia de agosto de 1979 trouxe de volta dirigentes nacionais que estavam no exílio, entre eles João Amazonas. Em 1985, nos primeiros meses do governo da Nova República, o Partido estava novamente legalizado, situação que desfruta até hoje.  

Os desafios por dentro 

Ao longo de sua trajetória, o PCdoB também se viu diante de desafios internos, dissensões ora à esquerda, ora à direita que conspiraram contra sua existência enquanto partido revolucionário, marxista-leninista, compromissado com o socialismo. Na Conferência da Mantiqueira, por exemplo, houve quem se opusesse à reorganização do Partido, propondo transformá-lo numa associação meramente cultural, sob a alegação de que a reorganização partidária prejudicaria a proposta de união nacional em torno do governo, aprovada na conferência.  

Dezenove anos depois o Partido é levado a reorganizar-se, após enfrentar renhida luta contra os que tentavam impor alterações programáticas e de princípios, uma política de fundo reformista e a mudança do próprio nome buscando com isso facilitar uma eventual legalização. Dessa extensa e profunda confrontação, resultou a reorganização do Partido em fevereiro de 1962, quando assumiu a sigla PCdoB, mantendo o nome original de Partido Comunista do Brasil.  

Após a anistia, surgiu a proposta do Partido encolher-se, fingir de morto para se proteger do regime militar ainda forte. Na virada das décadas de 1980 e 1990, novas circunstâncias colocavam à prova a existência do Partido. A derrota do socialismo de matriz soviética no Leste europeu, esperavam-se modificações de nome, simbologia e programa. Em 1992, pouco antes do 8Congresso Nacional do PCdoB, o dirigente nacional Rogério Lustosa, prematuramente morto no ano seguinte, dizia:  

 

“Com os acontecimentos no Leste europeu, tem gente que tenta fugir das responsabilidades, tenta se esconder do povo, mudar de nome, abandonar o símbolo. Na verdade, abandona o próprio socialismo. Nós do PCdoB não pensamos assim. Em nosso congresso, em novembro, vamos estudar a fundo as questões do socialismo, mas nós não vamos abandonar o nome do Partido. Nós não vamos trocar o nosso símbolo, que é a foice e o martelo, que é o símbolo do mundo do trabalho”. 

Lembrar para refletir 

A toda essa cadeia de adversidades, que não serão as últimas, o Partido resistiu, fortalecendo seu campo ideológico, sua base teórica marxista-leninista, sua política e organização revolucionárias, seu compromisso com a luta incessante pela democracia, pela justiça social e a soberania do Brasil, tendo como rumo a conquista do socialismo com feição brasileira. Desse modo, e a despeito do conjunto de dificuldades que permeia sua história, o PCdoB jamais deixou de atuar no cenário político brasileiro a partir de março de 1922. Nunca deixou de apresentar-se tal como é, com seu programa e seus símbolos. 

Recordar os percalços – alguns deles aparentemente intransponíveis – que se antepuseram à existência do PCdoB ao longo de sua quase centenária significa, do ponto de vista revolucionário, deles extrair ensinamentos capazes de iluminar os caminhos da atualidade. Em fevereiro de 1987, ao lembrar os 25 anos da reorganização de 1962, João Amazonas indagava: “Por que o partido venceu?”. Ele próprio respondia:  

“Antes de tudo pela justeza de sua orientação política e pela fidelidade ao marxismo-leninismo, (…) por saber interpretar, em diferentes momentos, o sentimento das grandes massas populares, traduzir em termos políticos o que pensava a maioria do povo, (…) porque esteve sempre em ação, buscando o contato com as massas e com as diversas correntes políticas, visando a luta e a mobilização popular, (…) porque pôs em prática os ensinamentos leninistas de que na luta concreta é necessário ter sempre um aliado de massas (…)”.  

A contemporaneidade coloca o partido diante de novos momentos do desenvolvimento do capitalismo, da revolução, da construção socialista e da permanente (e dialética) atualização do marxismo-leninismo. Certamente ele os enfrentará como partido comunista, marxista-leninista, revolucionário, formulador e implementador de um programa político ajustado ao objetivo estrutural e estratégico da classe operária e dos trabalhadores do Brasil, ou seja, o socialismo científico com fisionomia brasileira. Assim, mantidos o nome, cor e símbolos, não se perderá no lusco-fusco das sombras e luzes, mais sombras que luzes que marcam, nas proféticas palavras de João Amazonas, os primeiros tempos do século presente. 

*Luiz Manfredini é jornalista a escritor, autor, entre outros livros, dos romances As moças de Minas, Memória de Neblina e Retrato no entardecer de agosto, além da biografia A pulsão pela escrita.