Frente Ampla vrs. Frente de Esquerda

Eu acho que boa parte desta discussão “Frente Ampla” versus “Frente de Esquerda” é baseada em estereótipos.

Frente Ampla vrs. Frente de Esquerda

Esta contenda de slogans e fraseologia é baseada em uma duplicidade. Para psicanálise esta é sempre da ordem do imaginário identitário; apta, portanto, a produzir gozo derivado de compensações narcísicas e caricaturização do adversário externo, mas pouco útil para pensar a política mais adequada pra nossa situação.

“Olha lá, os que falam em amplitude são seguidores da direita, gostam de ficar à reboque da burguesia, remonta a um vício antigo do movimento comunista ou stalinista”.

“Frente de esquerda é coisa de trotskista, de quem trabalha para a divisão do movimento de oposição ao Bolsonaro.”

Isto não é bem clichê e previsível?

Há muita repetição de saberes manjados e pouco esforço de pensamento.

Qual a grande dificuldade de aliar ambos?

Se o papo sobre “ameaça neofascista” não é só gogó, a tática deveria ser consequente com esta avaliação: reunir o maior número possível de forças para isolar e derrotar o bolsonarismo, de preferência numa cassação do TSE, até porque Mourão já demonstrou inúmeras vezes — inclusive com artigos chantageando as instituições no Estadão — que não possui contradições antagônicas com Bolsonaro.

Vejamos um exemplo histórico de sucesso, que levou não só à derrota improvável do fascismo japonês, como a uma das maiores revoluções da história da humanidade.

Imagina se Mao Tsé-Tung se recusa a se unir, em vista à unidade contra a ameaça japonesa, com o Kuomitang do Chiang Kai-sheck, argumentando que este fora responsável pelo massacre de centenas de comunistas pouco tempo antes? Aliás, o mesmo Kuomitang seria responsável, depois da revolução, por uma ditadura de clã feroz em Taiwan, que abrigava muita gente exilada da China continental, em busca de “liberdade” contra Mao?

Pior! Massacrados na trairagem, ainda por cima, pois dentro de uma frente revolucionária construída no passado.

Se a esquerda exigir completa adesão a seu programa ou pedido de desculpas é óbvio que não vai rolar unidade alguma.

“Mas quem dirige quem?”. Isto é definido, à quente, no meio da luta, uai. A hegemonia se constrói lutando, demonstrando que a merece, não com declarações arrogantes prévias.

Quando Mao adotou a política desta frente anti-fascista não havia qualquer garantia de que ele seria direção do processo.

Pelo contrário, ele tinha menos combatentes, menos equipamentos, menos recursos, que o exército do Kuomitang. Tinha todas as razões do mundo para temer a diluição de seu grupo.

Ocorre que seus lutadores combateram com tanta garra, valentia e consequência, enquanto as tropas de Chiang optaram por uma postura mais passiva, tentando realizar acordos e assistindo de longe o combate, que, finda a guerra de resistência, os comunistas eram muito mais fortes e tinham muito mais prestígio que em qualquer momento anterior.

Mas a unidade realizada não fora programática nem ideológica, visava apenas a um objetivo tático imediato e necessário: derrotar o Japão.

Mao garantiu total autonomia organizativa e programática: até mesmo a incorporação de seus homens e mulheres no Exército do Kuomitang ocorreu sob a condição de ele manter seu comando.

Portanto, houve, também, manutenção da densidade ideológica de esquerda e capacidade de ter iniciativa própria. Amplitude e radicalidade ao mesmo tempo.

No Brasil, se existisse qualquer unidade entre esquerda e setores do centro e da direita, por qual motivo haveria necessariamente a consequência de algo além de — tal como na China — uma ação comum: tirar Bolsonaro? Por qual motivo a esquerda abdicaria de seu programa próprio?

Portanto, entendo a postura do PT ou como um moralismo (“Lula não pode conversar com seus algozes”) ou como uma demarcação de posição visando 2022. A fim de continuar como principal protagonista na polarização contra Bolsonaro, evita-se qualquer postura unitária. Sabe como é, se houver mistura o partido pode perder destaque…

Acontece que se não se mover, o PT perderá, aí sim, visibilidade por se tornar irrelevante no jogo político, cada vez mais isolado e à margem dos acontecimentos.

De qualquer forma, fico imaginando, no meu exercício de anacronismo, Mao Tsé-Tung pensando desta forma tão emotiva e sectária lá no meio dos anos 30…

Como faz falta uma maior cultura comunista na esquerda brasileira para gente parar de achar que radicalismo envolve pureza moral e bloco do eu sozinho.

Por Diogo Fagundes