Agosto dos cem mil mortos

O mês de agosto de 2020 também estará marcado nos livros de história do Brasil. Não é possível prognosticar o dia, mas, nesta semana, o país atingirá a marca de cem mil mortos por Covid-19.

Agosto dos cem mil mortos
Agosto dos cem mil mortosFoto: Miguel Schincariol /AFP via Getty Images

Mailson Ramos
Nossa Política



Agosto é, tradicionalmente, um mês trágico para a história do Brasil. Foi na madrugada de 24 de agosto de 1954 que Getúlio Vargas matou-se, após ter sido informado de que os militares exigiam o seu licenciamento do cargo de presidente da República como para solucionar a crise política em que o seu governo se viu envolvido nos últimos anos do segundo mandato.

Para espanto geral da nação, o presidente Jânio Quadros renunciaria na tarde do dia 25 de agosto de 1961. Jânio esperava que o povo não aceitasse sua renúncia é tampouco esquecera de levar consigo a faixa presidencial que, ao renunciar, não mais lhe pertencia. Entretanto, o Congresso Nacional aceitou a carta e o Brasil viu João Goulart, o vice, assumir o poder em meio à sublevação de um segmento de oficiais da Aeronáutica.


Em plena luta contra o regime militar, o ex-presidente Juscelino Kubitschek faleceu em um acidente de carro. Seu Opala preto se desgovernou, supostamente, após se chocar com um ônibus, cruzou a pista e bateu de frente com uma carreta Scania. JK e o motorista, Geraldo Ribeiro, morreram na hora. Era 22 de agosto de 1976.

No dia 31 de agosto de 2016, a presidenta Dilma Rousseff teve o seu mandato cassado no Senado Federal. Aquela era a conclusão de um golpe de estado que usou de mecanismos diversificados, dentro das instituições, para destituir o governo. A queda do governo petista abriu as portas para o governo temerário de Michel Temer e, em seguida, para a ascensão do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro e a onda de negacionismo, falso patriotismo e moralismo de ocasião.

O mês de agosto de 2020 também estará marcado nos livros de história do Brasil. Não é possível prognosticar o dia, mas, nesta semana, o país atingirá a marca de cem mil mortos por Covid-19. Cem mil vidas. Cem mil histórias. Cem mil brasileiros. Em março deste ano, Bolsonaro disse em entrevista à TV que a quantidade de mortes causadas pelo novo coronavírus não seria maior do que aquelas provocadas pela H1N1 no ano passado.


Em 12 de abril, quando o Brasil atingiu a trágica marca de 1.200 mortos e 22,1 mil infectados, Bolsonaro afirmou que “parece que a questão do vírus está indo embora”. Durante este período, frases denotaram a falta de empatia do presidente com as famílias dos mortos, como quando, por exemplo, esbravejou para um jornalista que não era coveiro, ao ser perguntado sobre o número de mortos. Por inúmeras vezes negou a gravidade da tragédia e incentivou o fim da quarentena.

Enquanto o povo vê um dos capítulos mais tristes da história do país sendo escrito, o presidente anda de moto por Brasília, como se nada estivesse acontecendo. Quando se encontra com apoiadores, ergue a caixa de um medicamento que, comprovadamente, tem efeitos sobre o novo coronavírus. Apelidado no exterior de “Capitão Corona”, Bolsonaro apresenta a cloroquina até para as emas do Alvorada, registros fotográficos que são claras demonstrações de desequilíbrio e de descolamento da realidade.

Com um ministério da Saúde ocupado por militares e dirigido por um general, em plena pandemia, o governo se mostra incapaz de dialogar com prefeitos e governadores. Muito pelo contrário. O discurso belicoso do presidente da República e dos seus apoiadores serve apenas para dificultar a interlocução com os chefes dos executivos municipais e estaduais. Enquanto isso, faltam respiradores, medicamentos e insumos hospitalares para UTIs.


A catástrofe representada em números e em estatísticas é apenas a antevéspera de uma crise maior que poderia ser controlada se o governo federal tomasse medidas reais de combate à proliferação do vírus. A crise econômica que se abaterá sobre todos os países do mundo será ainda mais cruel com aqueles que adquiriram o estigma de país infectado, que não foi capaz de cuidar do seu povo.

Enquanto Jair Bolsonaro visita cidades em campanha eleitoral para 2022, festejando não sabe o que com a claque que o segue, o Brasil vai para o buraco da história. Os crimes de responsabilidade que ele carrega nas costa não são assuntos importantes, agora, para o Congresso Nacional. A população segue anestesiada e o mundo assiste à derrocada de uma nação inteira nas mãos de um presidente incapaz.