“A OAB não pode ter dono, nem pode ter partido”

Para ele é preciso “resgatar, redefinir rumos, afastando a OAB de disputas político-partidárias”.

“A OAB não pode ter dono, nem pode ter partido”

“A OAB não pode ter dono, nem pode ter partido”,

Entrevista: Luiz Viana Queiroz

Osvaldo Lyra

  

Luiz Viana Queiroz é vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - Foto: Divulgação
Luiz Viana Queiroz é vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
 
Vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o baiano Luiz Viana Queiroz diz que a entidade “não pode ter dono, nem pode ter partido”. Para ele é preciso “resgatar, redefinir rumos, afastando a OAB de disputas político-partidárias”. Um dos responsáveis pelo movimento lançado na última semana em defesa da advocacia, Luiz Viana enfatiza que é necessário se aproximar mais dos advogados e advogadas “que estão na ponta”. “Há um distanciamento muito grande da OAB nacional da base da advocacia”. E completa: “O Judiciário está devendo uma atuação mais eficiente ao país”. Confira:

O senhor é vice-presidente nacional da OAB e lançou essa semana um movimento em defesa da advocacia. Como foi o evento e qual o objetivo?

Na verdade, eu fui uma das pessoas que lançou o movimento em defesa da advocacia. Nós somos três diretores, dos cinco diretores nacionais: eu, que sou o vice-presidente, José Augusto Noronha, que é o tesoureiro, e Ary Raghiant Neto, que é o secretário-geral adjunto. Junto conosco, muitos presidentes seccionais e de subseções, muitos integrantes de comissões, e a advocacia em geral. Esse é um movimento que tem como finalidade chamar atenção para alguns pontos e conversar com a advocacia. O movimento foi lançado nas redes sociais, até porque nós estamos num período de pandemia e não pode ter aglomeração. Ele pretende ser um movimento horizontal, ou seja, ninguém é dono do movimento, aliás, uma das críticas que a gente faz é exatamente que a OAB não pode ter dono, nem pode ter partido. Então é um movimento horizontal, não tem dono, a advocacia está conversando sobre isso. Nós levantamos alguns pontos que achamos mais importantes, mas todo o movimento está num processo de abertura para receber novas indagações, novas contribuições, e a gente poder, ao final, ter um impacto sobre a Ordem dos Advogados do Brasil e a advocacia, no sentido de que a gente possa voltar como prioridade à defesa da democracia. Eu sou uma das pessoas, o movimento foi lançado essa semana, e eu achei muito positivo o resultado ao longo da semana. Estou muito satisfeito.

Como o senhor avalia a gestão do atual presidente Felipe Santa Cruz? Há uma politização exacerbada da entidade?

Eu penso que a gestão de Felipe Santa Cruz, eu sou vice-presidente dessa gestão, teve aspectos positivos e aspectos negativos. Acho que como toda gestão é assim. O que nós estamos fazendo em relação a esse lançamento do movimento, nós dizemos bem claro isso no manifesto que lançamos, é que queremos resgatar, redefinir rumos, afastando a OAB de disputas político-partidárias. O que não significa que a gente não tenha compromissos institucionais. A gente tem compromissos institucionais que, aliás, estão no estatuto da OAB. No artigo 44 tem definidas quais são as finalidades da Ordem. Então, por exemplo, a defesa da democracia, a defesa dos direitos humanos, a defesa da justiça social, são compromissos institucionais na OAB e que nós continuamos a apoiar. Mas nós consideramos que é importante dar prioridade a um outro aspecto que está no artigo 44 do estatuto, que é a defesa da advocacia. Precisamos manter a OAB no campo dos compromissos institucionais e na defesa da advocacia.

O senhor pretende disputar o comando nacional da OAB?

O comando nacional da OAB será alvo de uma eleição em janeiro do ano que vem. Dia 31 de janeiro de 2022. Ainda está muito longe. Nesse momento, o importante é que eu faço parte desse movimento com colegas de alto nível, como é o caso dos outros dois diretores como lhe falei, para que a gente possa estabelecer um diálogo com a base da advocacia, definindo quais são as prioridades. Então o meu trabalho nesse momento é consolidar esse movimento, discutir com a advocacia e com os dirigentes de ordem. Defender a advocacia na linha do que a gente estabeleceu com o movimento. Nesse momento, não é minha prioridade tratar de eleição. Eleição a gente vai tratar no momento certo. Até porque, a eleição do presidente nacional da OAB é precedida pelas eleições das seccionais nos estados, que serão na segunda quinzena de novembro. Eu com certeza estarei junto do meu grupo, que hoje é liderado pelo presidente Fabrício Castro, na eleição da Bahia. Mas na eleição nacional a gente vai deixar para ver isso mais tarde.

Um dos principais problemas apontados, sobretudo pelos jovens advogados, são os baixos salários, além da falta de apoio da entidade, tanto nacional quanto das seccionais. O que pode ser feito para minimizar esse gargalo e dar uma nova perspectiva para a categoria?

Eu penso que uma das crises que a gente está vivendo é exatamente a crise econômica. Ao lado de uma crise política, moral e jurídica. Mas a crise econômica tem atingido muito fortemente a advocacia, e a advocacia mais jovem, e nesse momento de pandemia isso tudo fica ainda mais difícil e mais complicado. Fica pior. A crise sanitária de hoje não tem comparação na história recente do nosso país. Isso atinge diretamente a advocacia e sobretudo aqueles que estão iniciando. O que penso eu? O que gente pode fazer é primeiro conversar com os advogados e advogadas para entender quais são as suas prioridades. E, a partir das prioridades definidas pela advocacia, a nossa entidade poder se comprometer com aquilo que vai fazer para a melhoria. Deixa eu dar alguns exemplos, fica mais fácil. Uma das prioridades neste momento é a vacinação. Todo mundo muito preocupado com essa quantidade absurda de mortes, e a gente vendo que o governo e o Ministério da Saúde não conseguem lidar de forma eficiente no combate à pandemia. Diante disso, defendemos que a OAB deva participar do esforço de vacinação. Através das caixas de assistência da advocacia espalhadas por todas as seccionais. O que a gente precisa é ter uma ideia de custo, ver de que maneira a OAB pode participar passando o custo para quem pode pagar e assumindo o custo da vacinação de quem não pode pagar. Mas até isso, que parece que é uma prioridade universal, a gente tem tido dificuldade de avançar internamente na OAB. Muito recentemente, semana passada, o Conselho Federal, depois de um grande debate, apoiou a criação de um fundo para a vacinação da advocacia que foi proposta pela conselheira federal do DF, Daniela Teixeira, e eu fui um dos defensores, inclusive já escrevi um artigo sobre isso. Então, até em relação à vacinação, a gente está tendo problemas de entendimento. Além disso, me parece que a grande questão hoje que está ligada à vacina da jovem advocacia é a sobrevivência. Como é que jovens advogados e advogadas podem sobreviver dignamente? A entidade pode fazer muito em relação a isso se se dedicar com prioridade à pauta interna, a pauta da advocacia. São muitas as coisas que podem fazer. Desde o fornecimento de cursos preparatórios capazes de fornecer instrumental teórico e prático para a sua atuação, até a participação da OAB junto aos colegas. Outro dia eu vi uma frase e achei muito interessante. “Quem entende do pingado é quem está embaixo da goteira”. Ou seja, a gente precisa se aproximar mais da advocacia que está na ponta. Os advogados e advogadas, os mais jovens, estão lá na ponta, vivendo os seus problemas cotidianos, para que a gente possa contribuir para enfrentar as dificuldades e solucionar os problemas. O que eu percebo hoje é que há um distanciamento muito grande da OAB nacional da base da advocacia, que está no dia a dia advogando. Um outro lado da resposta a sua pergunta é exatamente poder fazer as demandas para que o Judiciário brasileiro e o baiano possa responder às demandas da cidadania e às demandas da advocacia. Seja mais rápido e eficiente. Esse momento da pandemia trouxe uma coisa que é o aceleramento do Judiciário eletrônico.

A pandemia impactou na vida da sociedade e fez os advogados e a própria Justiça usarem a tecnologia como aliada ao trabalho. Como o senhor avalia?

Eu avalio que o Judiciário, como um todo, está devendo à cidadania brasileira uma maior eficiência no tratamento da prestação de serviço jurisdicional. Porque o processo eletrônico já existia, não foi a pandemia que criou, mas a pandemia trouxe uma coisa nova que foi o fechamento de fóruns, o fechamento de tribunais, o distanciamento obrigatório, lockdown. E, portanto, acelerou uma tendência que já existia de você ter uma prestação de serviço online. Uma prestação de serviço através da internet, através dos computadores. Tem um lado positivo disso, desse aceleramento, que é o fato de que os números da produtividade estão crescendo bastante, isso é um lado positivo. Mas o lado negativo é afastar completamente a cidadania, sobretudo os advogados, do aceso aos fóruns, tribunais e juízes. Algumas causas não faz diferença se você conversa com o juiz olho no olho, porque são causas meramente documentais. Mas tem tantos outros processos que olhar, olho no olho da testemunha, do advogado, do juiz, faz toda a diferença para que o advogado e a advogada possam mostrar ao juiz aquilo que está pulsando naquele processo, quais são as dores, quais são os sentimentos, quais são as pessoas humanas envolvidas. Então esse distanciamento é o lado negativo. Tem se tentado equilibrar isso fazendo audiências virtuais através do computador. Mas eu penso que isso ainda é insuficiente. Penso que o Judiciário está nos devendo, a nós da cidadania brasileira e à advocacia, uma prestação jurisdicional mais célere e mais eficiente. E eu faço voto de que nós todos possamos dizer isso de forma serena à cúpula do Judiciário brasileiro, e eu tenho certeza que nós todos poderemos ajudar a construir uma Justiça melhor. O Judiciário está devendo uma atuação mais eficiente ao país.

Como o senhor avalia a OAB da Bahia e a gestão do atual presidente Fabrício Castro? Inclusive as críticas que ele tem recebido de antecessores?

Eu avalio de forma muito positiva. Me sinto representado por Fabrício como meu presidente. Você sabe que eu fui presidente da OAB da Bahia durante seis anos e Fabrício me sucedeu. Me sinto representado por ele, pela diretoria e pelo conselho que ele também preside. Considero que a atuação da caixa de assistência dos advogados nesse momento da pandemia tem sido exemplar, presidida pelo presidente Luiz Coutinho, no sentido de assistir os advogados mais necessitados. E, portanto, naquilo que depender do meu esforço estarei contribuindo para essa gestão, que é um sucesso. Evidentemente, a OAB da Bahia recebe os efeitos da pandemia, os efeitos do momento que a gente está vivendo, e o que eu me sinto é confortável no sentido de perceber um esforço coletivo da nossa entidade para superar esse momento de crise. Essa semana, por exemplo, acabou ontem uma conferência, a terceira conferência da mulher advogada, que foi coordenada por um grupo de colegas advogadas, coordenada por Ana Patrícia Dantas Leão, que é a vice-presidente, foi um evento de uma qualidade com a participação de centenas e centenas de colegas advogadas e advogados discutindo e contribuindo para a gente entender o que estamos vivendo nesse momento de crise e entender como a gente pode contribuir para superá-la. Então eu me sinto muito bem representado por Fabrício.

Tem espaço para que uma mulher possa disputar o comando da OAB ou a reeleição de Fabrício é um processo natural na sua avaliação?

Como eu lhe disse, eu me sinto bastante confortável com a representação de Fabrício como presidente. Se ele entender que ele pode manter esse sacrifício de continuar presidente, eu não teria a menor dúvida de dar o voto a ele. Mas considero que será muito bom que isso seja feito em conversa coletiva com o nosso grupo e com a própria advocacia baiana, e não tenho a menor dúvida de que esse momento em que as mulheres advogadas conquistaram a paridade na participação nas chapas, inclusive com o meu apoio, com o meu voto como conselheiro federal, não tenho dúvida de que há espaço seja para homens, seja para mulheres em pé de igualdade disputarem o espaço político para o exercício da função.

Como o senhor avalia a prestação dos serviços da Justiça baiana? Deixa muito a desejar?

Você sabe que eu fui seis anos presidente da OAB da Bahia e eu tive um diálogo crítico e franco com o Tribunal de Justiça nos diversos presidentes que passaram ao longo desse período. Eu penso que o Tribunal de Justiça, a mesa diretora atual e o seu presidente têm feito um esforço grande para a melhoria da prestação jurisdicional, mas é preciso entender que o Tribunal de Justiça está sob o foco de uma investigação grande e profunda, a partir da Operação Faroeste. Eu faço votos de que o Tribunal possa fazer uma autocrítica, encontrar os responsáveis por aquilo que tenha sido mal feito e melhorar a sua prestação jurisdicional. Então, lhe respondendo: eu penso que o Judiciário baiano tem problemas estruturais, percebo um esforço para enfrentá-los e poder ter uma prestação jurisdicional melhor, mas nesse momento que o Tribunal de Justiça pode contribuir de forma absolutamente necessária par todos nós, é olhar para si mesmo e identificar quem são os responsáveis pelos mal feitos, sob a investigação que está o STJ, cortar na própria carne para extirpar aqueles que tenham cometido irregularidades e absolver aqueles que não tenham praticado nada na ilicitude. Eu acho que o Tribunal está sob a expectativa de toda a sociedade baiana e da advocacia de que encontre o melhor caminho a seguir.

Falando um pouco sobre o cenário nacional, vivemos em constante risco à nossa democracia com a gestão do atual presidente Bolsonaro?

Em constante risco eu diria que é uma expressão, assim, muito absoluta. Eu tenho sido muito crítico ao campo da política na OAB. Então eu, apesar de considerar que a OAB tem sim compromissos institucionais com a defesa da democracia, eu não quero entrar no campo da especulação política. O que eu posso contribuir é dizer que o papel da OAB sempre foi e acho que deve continuar sendo o papel de uma entidade que é voz da sociedade civil e tem como um dos seus compromissos a defesa da democracia. Então toda vez, qualquer que seja o governo, esse governo, os governos anteriores, os governos que virão, acho que é muito importante que a gente possa ter uma posição crítica e até de enfrentamento sempre que for necessário para defender os nossos valores, entre os quais a democracia. Mas não queria perder a oportunidade para dizer que a gente vive num momento de polarização, de polaridade em todos os campos do nosso país que é muito ruim. É muito negativo. Porque essa narrativa de que nós vivemos num mundo que está polarizado entre amigos e inimigos falseia a complexidade da realidade social. A realidade social brasileira é muito mais complexa do que apenas o bom contra o mau, o alto contra o baixo, o de esquerda contra o de direita. Essas polaridades camuflam a realidade social que é complexa, e a necessidade de que a gente precisa dialogar com todos para avançar e superar os nossos problemas. Eu penso que a OAB pode contribuir para a defesa da democracia seguindo o exemplo de Raimundo Faoro, que foi o presidente da OAB e foi considerado talvez o maior presidente da nossa história, num período dificílimo de ditatura militar. Que sentou na mesa para negociar a volta do habeas corpus. Portanto, a gente precisa, em nome daquilo que é possível, sentar para dialogar com todos. E aquilo que não é negociável, a gente afirmar de forma categórica que não tem diálogo, não tem conversa. Acho que uma das coisas que mais caracteriza a advocacia, sobretudo a OAB de Raimundo Faoro, com quem eu aprendi historicamente, é que a gente deve olhar para as autoridades, olhar para os poderosos “olho no olho”. De igual para igual. Nem de baixo para cima, nem ninguém que é inferior ao superior, nem de cima para baixo, ninguém que é superior ao inferior. Então, seja nesse governo ou em qualquer governo a OAB tem o compromisso institucional de defender a democracia. E negociar o que é possível negociar, o que é negociável, e não negociar, enfrentar, quando o que estiver em risco não é negociável. Eu acho que é essa a síntese.