A Covid-19 tirou a máscara do Brasil

A Covid-19 tirou a máscara do Brasil
Luiz Carlos Magalhães

Hoje o presidente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, Luiz Carlos Magalhães, reconhece que a Covid-19 é uma verdadeira “máquina mortífera”. Mas no início, mesmo sabendo da falta de infraestrutura no país, tinha esperança de que o Sistema Único de Saúde (SUS) iria resistir. O tempo mostrou o contrário. A falta de pessoal treinado, a falta de equipamentos, a corrupção na compra de insumos e a banalização da morte trouxe para ele a depressão: “A pandemia, que chegou logo após o carnaval, nos colocou de cara a cara com o país que nos temos. Eu vinha de uma grande maratona, desde os preparativos até a realização do desfile da Portela. De repente, tive que parar tudo. Ficar trancado em casa com a minha mulher, meu filho pequeno e ter que realizar todas as tarefas domesticas. As panelas parecem que se reproduzem, nunca acabam! Lavar o banheiro passou a ser parte de minha rotina. Eu não conseguia realizar nada que demandasse esforço intelectual como ler um livro, um jornal, nem mesmo ver televisão. Mas aos poucos fui me adaptando, virei parte desse exército de empedradas em suas residências. Todos acompanhando a novela de decomposição dos governos federal, estadual e municipal. Cada dia temos um novo capítulo!”

Quando se volta para a escola de samba que preside, Luiz Carlos diz que o quadro é desolador: “No mês de junho a agremiação deveria estar realizando a sua quinta feijoada! Como todos os eventos na quadra foram suspensos ficamos sem nenhuma renda, não conseguimos pagar os prestadores de serviços que generosamente colaboraram com o nosso carnaval de 2020. Não podemos alugar a nossa quadra, não podemos levar nossos artistas para apresentações de seus shows”.

A direção da Portela resolveu, por um lado, aderir aos programas criados por bancos públicos e adquiriu créditos para pagar os seus funcionários; por outro, como grande parte da sua comunidade não tem nenhuma fonte de recursos financeiros, tomou a decisão de oferecer cestas básicas e investir na fabricação de material básico de proteção. O projeto promovido pela Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) de confecção e distribuição comunitária de material foi importante iniciativa: “Criamos a ‘Águia Solidária’ e começamos a recolher contribuições para distribuir alimentos para os portelenses. Recentemente, realizamos uma feijoada para os moradores de rua. O nosso Departamento Cultural criou o canal youtube da escola e tem viabilizado vários programas musicais e de entrevistas.”

O enredo do Carnaval 2021 está sendo definido. A elaboração da sinopse e o encaminhamento do mesmo para a Ala de Compositores não envolve custo nenhum: “Não sei se a escolha da melhor obra será na quadra ou on-line, o tempo vai dizer qual será o melhor caminho que vamos traçar. Agora o que vem depois – ensaios, montagem dos carros alegóricos, confecção das fantasias – é meio complicado por conta do isolamento social e da falta de recursos”.

Como presidente da Portela, Luiz Carlos Magalhães está indo para o seu 5º Carnaval, sempre tendo que superar grandes barreiras: “Peguei em cheio a administração do atual prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. A cada ano eu dizia para mim mesmo: agora teremos o pior carnaval do ponto de vista financeiro. Mas, em seguida, era surpreendido com o próximo Carnaval que era pior ainda. Depois era surpreendido com o Carnaval seguinte, pior ainda! Até chegar ao Carnaval de 2021 que – com certeza – vai ser o pior de todos! Digo isso porque o grande problema do gestor de uma escola de samba é o financiamento. O fluxo de recursos que não tem nenhum ordenamento. Hoje as minhas coirmãs não sabem quando vamos ter e quanto vamos ter para investir. Sabemos somente que a prefeitura não vai apoiar com um centavo. O Governo do Estado conseguiu fundamental apoio junto a iniciativa privada nos últimos anos, mas foram recursos que saíram depois da festa. Quem tem salvado o carnaval é a TV Globo que antecipa o pagamento da exibição dos desfiles. Mas será que agora ela vai conseguir antecipar? Já estamos no mês de julho. Será que as empresas vão comprar cotas para o televisionamento?”

Surge a pergunta sobre a própria possibilidade de realização dos desfiles em 2021. Aqui ele admite que podem sugerir a diminuição do número de participantes. Fazer desfiles com mil ou mil e quinhentas pessoas. Mas será que isso evitará aglomerações? Como ficará a aglomeração nas arquibancadas?: “O bom senso indica que o Carnaval somente será possível com a vacina, porque o remédio que surgiu é para pacientes que estão em estado grave. O Carnaval não é feito com pessoas em estado de saúde grave. Precisamos da vacina que tem que ser produzida em escala e distribuída. O medo é grande de uma reinfecção, da necessidade de uma segunda dose da vacina. Será que as pessoas vão se animar em comprar ingressos para assistir o carnaval? O futuro é uma incerteza absoluta. Por tanto, agora sim, teremos o pior Carnaval da História!”

O presidente que sonha em voltar para a quadra, para o convívio dos amigos, considera que a prioridade do momento é a de dar um basta, destruir a “máquina mortífera” Covid-19 que avança sobre o Brasil. Que promove um verdadeiro genocídio da população desprotegida: “Pandemia tirou a máscara da realidade brasileira. Nos fez enxergar sem alegorias, sem maquiagem, sem ilusões e sem falsetes a nossa incompetência e os nossos limites”.

LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).